Roupa de bolinha ou com bolinha?

Foto: Dhyane Mendes
Foto: Dhyane Mendes
 

Bolinha é comigo mesmo. Meia de bolinhas, blusa, bolsa, lenço, sapato, caixa, anel, xícara, caderno, papel de presente. Poás me fascinam. Embora, talvez, não desde sempre. Conta a lenda que, certa vez, ao ser presenteada com uma cacharrel azul marinho de bolinhas brancas, eu teria sido enfática: Não vou usar. E o presente foi habitar outro guarda-roupa. Como não me recordo do episódio, a ponto de considerá-lo improvável, costumo negá-lo com veemência.

Já outra ‘bolinha’, aquela que, sem qualquer alvará, se instala nas roupas na terceira vez que são usadas, deixando-as com jeitão de pijama velho, definitivamente, não é comigo. Não deveria ser assim.

Antigamente, os objetos eram passados de geração em geração. Quanto mais sinais de uso, melhor. Era motivo de orgulho e respeito exibir na sala de estar o baú de jacarandá que fora do avô, que por sua vez havia pertencido à bisavó. O valor estava justamente nas marcas do tempo, impressas nele como tatuagem: a pátina.

Guardamos, quando muito, uma coisa ou outra dos antepassados. Nosso jeito de viver ficou breve, imediato, urgente. E sem muito espaço em casa. Sem falar que, hoje, se “cria” pátina da noite pro dia. Dá para jurar que aquela cadeira fabricada há um mês tem cento e cinquenta anos.

Pátina de gente também é bonita. Ela atesta que a vida foi vivida. E que cada linha do rosto, das mãos e do corpo viu tudo. Rugas são as ‘bolinhas’ do corpo.

Mas se para as roupas as ‘bolinhas’ são uma espécie de pátina, por que é então que elas não têm o menor charme? É de lascar quando elas surgem numa malha de lã, de um inverno para o outro. Mesmo que seja lavada à mão e centrifugada um tiquinho só. Um dia você nota algumas perto dos cotovelos. Mas não dá muita bola (ops). Basta algum tempinho e elas já se reproduziram. Quando você percebe, tomaram conta de tudo. E a malha vira roupa de dormir com os gatos no sofá, num sábado à tarde. Usá-la para jantar com aquele moço novo da pós-graduação, nem pensar. Aliás, as malhas dele, você já reparou, não têm bolinha. Assim como a grama do vizinho é sempre mais verde, as malhas dos outros são sempre mais lisinhas.

A saída para acabar com as danadas é armar-se com uma lâmina de barbear ou um papa-bolinhas, aquele aparelhinho exterminador que não deixa uma sequer para contar história. Ouvi dizer que alguns fabricantes de roupas já colocam na etiqueta a informação de que, com o uso, num processo natural, elas aparecerão.

Quem avisa, amigo é.

5 comentários em “Roupa de bolinha ou com bolinha?

  1. Que medo nós temos do que tem história para contar, não? Rugas, bolinhas, pátina natural… Esquecemos de aproveitar tudo isso como inspiração para contos ao final da tarde, em volta do fogão de lenha, prontamente substituido pelas TVs de plasma onde instalam-se as famílias, sem histórias, sem conversas, sem gargalhadas genuínas. Quero mais bolinhas na minha vida!
    Beijos.

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  2. Sil! Eta bolinhas que nos seguem por aí!
    Na segunda feira, peguei um aparelhinho de barbear e ataquei duas blusas do Edno, que estavam em estado crítico, ficaram como novas! Agora a próxima vítima será um vestidinho de malha da Bea, que ela adora, mas nem usa mais como vestido pois já ficou curto, e mesmo assim não larga mão. Cheguei a escondê-lo até que tivesse um tempinho de limpar as bolinhas e ela pudesse então usar novamente, do contrário ela sairia por aí exibindo as bolinhas multicolridaas que se instalaram no vestidinho/blusa…
    Bolinhas do tempo, marcando nossa pele, também têm seu charme… que cada uma traga no traço uma boa lembrança, uma lição, uma saudade…
    um beijinho
    Josi

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