O rabo do gato

Ilustração: aminúscula/Flickr.com

Ele descansa aos pés da minha cama, seu lugar favorito da casa. Quer dizer, um dos. Gatos têm sempre vários lugares prediletos. Alguns são permanentes, outros vão sendo incluídos à lista no ritmo das estações do ano. E há os que vão saindo da lista. Naturalmente. Como tudo que um gato faz. Eles não receiam romper um relacionamento – ainda que o parceiro seja apenas um sofá.

Os critérios para um gato eleger seus cantos preferidos são insondáveis. Uma aconchegante, fofa e macia almofada pode não fazer seus olhos brilharem. E ela viverá desprezada na poltrona. Na melhor das hipóteses, uma criança a usará em alguma guerra doméstica. No entanto, uma caixa velha de papelão, bastante menor que o próprio gato, é capaz de transformar-se em um pedaço do paraíso, disputada até com os amigos. No caso, os outros gatos da casa. Um antigo gato nosso elegeu, por tempos a fio, o centro da mesa de mármore da sala para sua soneca vespertina. Outro, o topo do armário da cozinha. Era sua torre de controle e sossego. E um – com evidente transtorno de personalidade – foi flagrado dentro da pia da cozinha. Dormindo com os anjos.

O rabo de um gato é a extensão do seu cérebro. Porta-voz de quem não fala nenhuma língua humana. Acessório do rosto, ainda que tão distante. Complemento definitivo do olhar – se há bicho que fala com os olhos, é o gato. Repousado ao lado do corpo, esteja o bichano sentado ou deitado, é sinal de serenidade: tudo está bem. Espalhado, como na minha cama, significa: estou completamente à vontade. Ereto, ao andar, vira antena no auxílio a uma exploração interessante. Ao se entrelaçar na perna do dono: quero atenção. Arrepiado: viu o diabo. Ou coisa parecida. E é sempre prudente ensinar aos desavisados: rabo de gato não funciona como o do cachorro. Portanto, nem sempre é bom ficar perto de um gato que se põe a balançá-lo (o que é muito diferente do abano canino). Aquilo pode ser um aviso, uma bronca. Não é alegria.

“Aos olhos dos gatos, todas as coisas lhe pertencem” – alguém já disse. Lá em casa um gato parecia concordar com isso, quando entrou na sala lambendo os beiços, repletos de Maria-Mole. Aquela que minha mãe havia deixado sobre a mesa para esfriar. Na verdade, ele viera nos avisar que estava pronta. E gostosa.

Gente deveria ter rabo, também. Como nossos ancestrais, os macacos – se é que essa história procede. Seria a evolução da evolução, num claro caminho de volta para casa. Bom para se fazer entender na hora do silêncio, quando os olhos não são suficientes. Especialmente útil para lidar com crianças levadas. Nada de broncas que entram por um ouvido e saem por outro; em seu lugar, um rabo firme e decidido tocando o chão, tap, tap, tap. Os pirralhos recolheriam os seus por entre as pernas, e a paz reinaria.

O único problema seria estético. Um rabo grudado nos fundilhos teria um layout duvidoso. Mas a natureza é sábia. E amiga dos estilistas. Seria a redenção da saruel.

(Prometo não falar mais das sarueis.)

16 comentários em “O rabo do gato

  1. meu gato foi acidentado ficou sem a pele do rabo .com o tempo ressecou e quebrou .o pequeno pedaço q ficou não sicatriza ja faz dois meses e não melhora com.remédio nenhum .o q eu faço ?termino de cortar o pedaço?

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  2. olá, estava procurando algo que explicasse o fato do meu gato abanar o rabo constantemente. mas ainda estou em dúvida será que ele odeia quando eu pego ele com força e beijo muiiito!

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  3. Vim aqui por dica da Tania, do blog Elos e Nós e fiquei encantada com seus textos. Bem que a Tania avisou que você escrevia bem! E por falar em gatos, de felinos entendo um bocado…também tenho uma dessas em casa. Minha segunda gatinha, a primeira acompanhou 10 anos da minha trajetória aqui na Holanda!

    Enfim, voltarei sempre.

    um abraço de uma blogueira brasileira na Holanda

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  4. Com você dizendo (escrevendo) assim, eu até sinto mais simpatia pelos bichanos. (Sim, você adivinhou: eu gosto mais de cachorros).

    Beijos,
    Brunno.

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  5. Olá, querida Silmara!

    Que lindo! Você é mesmo muito especial. Descreveu tão graciosamente uma das coisas que eu mais gosto nestes bichinhos. Esse rabinho que não para nunca e que diz tantas coisas, é só observar. Aqui em casa com 24 gatinhos, observar é questão de sobrevivência. Meus pulsos estão aqui para não me deixar mentir. Cada semana parece que tentei cortá-los, mas é que algumas vezes esqueço de ler o recadinho do rabinho abanando, como se quisesse me alertar que não é a melhor hora para abraçá-los, então, vai um arranhão aí? E o meu pulso ganha mais uma marquinha.

    Beijos

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  6. Eu, que sou a humana de um gato há pouco mais de 1 ano, li, de cabo à rabo( pertinente) a sua crônica, como de uma entendida para outra.
    Esse negócio de lugar, é tão particular do comportamento deles! No momento, o felino está ao meu lado, refestelado no sofá, fazendo de conta que dorme, porém, abanando a ponta do rabo, como que aprovando a minha companhia.
    Como um amigo meu costuma dizer, ele próprio humano de 3 gatos: uma boa forma de desestressar é conviver com esses bichanos, o que já foi comprovado por pesquisas.
    Muitos ronrons de satisfação pra você!

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  7. Tudo bem, tudo legal, voltar a simpatizar com os gatos. Agora… Rabo???

    Aí força a amizade né, Sil!
    Hahaha

    Beijo grande,
    Camila
    ilimitada-mente.blogspot.com

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  8. Olá querida!!!
    Layout novo? Adorei!!!!
    Sobre essas encantadoras e misteriosas criaturas (os gatos), só tenho a dizer que depois de conhecê-las em toda a sua essência, é impossível não se apaixonar eternamente por elas.
    bjsss e boa semana!

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  9. Eu não me incomodaria de ter um rabo de gato.
    É claro, se o meu possuísse o mesmo radar que o dos felinos tem.
    Gatos são tão… majestosos.
    Com toda aquela pompa e pose de garbosos.
    Eu queria um rabo persa, acho.
    E todo branco feito o do snowbell do stuart little.

    ficaria feliz.

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  10. Bom dia querida!
    Esse final de semana eu vi minha ex-gatinha, que por sinal etá grávida. Na viajem de ano-novo levamos a bichana para casa da minha sogra porque ela “não quis ir com a gente pra São Paulo”, na volta ela também não quis vir com a gente pra casa. Escolheu o quintal enorme da minha sogra ao nosso apartamento, não sei porquê!
    Ontem relembrávamos as peripécias da lindinha – sabe onde ela dormia? No forro da minha cama box, onde ela mesmo fez um buraquinho…
    Mas agora pegamos um cachorrinho da rua, um poodle pretinho que estava toda machucado e desnutrido, meu filho batizou-o de Jorge Amado. O marido o chama de rabinho de pau, porque depois que ele foi tozado ficou com um rabinho fino e duro que balança de real felicidade quando chegamos em casa – tá aqui agora dormindo como um anjinho que é, no sofá do escritório.
    Bijim e Om Shanti

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  11. Oi Sil… vou passar esse texto para minha irmã, ela tem uma gatinha, a Mia que é uma comédia, muito embora, seja ela, séria demais, nós damos boas gargalhadas po causa dela…. e quanto a saruel… ainda não tenho uma mas acho que deve ser uma roupa bem confortável… eu que já fiz curso de estilista no passado (bem distante) e acompanho bogs de moda, ando muito longe dessas paragens já há tempos. Meu guarda roupas é simplismente vergonhoso, parou no tempo heheheheheh, e não foi num tempo qualquer, foi num tempo de caos total, sem a mínima coerência. Assim, uso coisas que nem sei se ainda se usa, nem se combinam, nem se combinam comigo… enfim… acho que acbei de ficar deprimida pois não tinha pensado nisso antes… hummm mas essa depresinha se cura com um passeio ao shopping… então uma outra hora eu penso nisso, mas até lá a saruel já saiu de moda, e pra não piorar a situação do meu guarda roupas, acho melhor não comprar uma….
    beijinhos Sil, e até mais…

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