O nome do meio

Foto: Jeff Belmonte/Flickr.com

A mulher com tatuagem de beija-flor preenchia o cupom para concorrer a uma viagem a Nova York. Espichei o olhar, gosto de ver a letra das pessoas. Ela escreveu seu nome completo, mas abreviou o do meio. E lá ficou o “M”, grudado num ponto bobo. Espremido entre o primeiro e o último nome. Maiúsculo, porém menor que tudo. Mudo. Morto.

Poderia ser de Maria, para homenagear a mãe de todos e conferir certa santidade à dona do nome. Mas tinha era jeitão de sobrenome. Martins, Miragaia, Medeiros, Mota, Miller, Mascarenhas, Macedo, Machado, Maciel, Miranda, Menezes. Brinquei de adivinhar qual seria a dinastia escondida ali.

Herdado da mãe, o sobrenome do meio, quase sempre, é como zero à esquerda. Quando muito, é publicado por extenso na certidão de nascimento. Nos primeiros anos de vida ele ainda tem alguma força. Álbum do bebê, ficha do pediatra, carteira de vacinação. Aos poucos, porém, ele começará a desaparecer. E na etiqueta do material escolar ele já estará abreviado, mutilado. Ou simplesmente omitido. Economizando tempo, espaço e tinta de caneta ou cartucho. Apagando, lentamente, as pegadas dos antepassados maternos. Calando, para sempre, a voz de seus ancestrais.

Sempre vi, em quem comemora mais efusivamente o nascimento de filho homem, um traço de machismo encardido. Um dia entendi que não é apenas isso. Para muitos, ele é a garantia de perpetuação do sobrenome. Ele nomeará os descendentes, que carregarão a marca da família adiante através dos tempos. Até que uma filha mulher interrompa esse ciclo.

Sobrenome do meio é que nem bicho em extinção. Com uma feroz desvantagem: ao contrário do tamanduá-bandeira, da arara-azul, do tatu-canastra, e até do beija-flor no ombro da mulher que queria voar para NY, nada pode ser feito. A cada ninhada de gente, a cada geração, ele se enfraquecerá. Por causa das fêmeas que, na maioria dos povos, não conseguem levá-lo adiante.

E quem liga?

7 comentários em “O nome do meio

  1. Eu amo o sobrenome da minha mãe, na minha assinatura é ele quem aparece, nos meus e-mails sempre ele imperou. Minha tristeza é que no sistema aéreo brasileiro eu nunca consegui coloca-lo…. mas é isso mesmo… um dia isso muda. Ahhh nos meus filhos ele vai tb.

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  2. Eu ligo.

    Até hoje questiono meus pais, querendo entender o por quê de não ter o sobrenome da minha mãe no meu nome.

    A resposta varia um pouco, mas é basicamente essa: “Para facilitar sua vida. Paccagnella é muito difícil de escrever e falar.”

    Eu teria a maior honra em carregar o sobrenome da minha mãe e passa-lo para frente.
    Para resolver o probleminha, entrei com um processo contra o Estado, exigindo a inclusão do nome. Infelizmente, o processo se arrasta por três longos anos…

    Um dia, ainda terei o sobrenome da minha mãe no meu! 🙂

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  3. Silmara, sabe que isso é coisa antiga. Moramos perto de uma comunidade de pomeranos e o próprio marido é um descendente deles. Minha sogra, ao casar, automaticamente renunciou o sobrenome alemão e incorporou o do marido. Logo, o filho deles, o meu marido, não tem o nome dos ancestrais alemães, portanto, nem os meus filhos. Os pomeranos são um povo muito simples, até nos nomes: geralmente, têm apenas nome e sobrenome. Curto e grosso, assim.

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  4. Eu ligava, e por isso nao abri mão de meu sobrenome materno, em troca do sobrenome do marido….mas a extinção foi chegando, pras filhas nao saírem com nomes longuissimos, abri mao do meu sobrenome materno no nome delas…coisas da vida…

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  5. O O. abreviado acima é de oliveira… aliás, gosto mais dele que do “santos” mas concordo plenamente com isso… tenho um filho, pequenino, pois ele carrega o Oliveira de mamãe e não o Santos do meu pai, não por raiva, nada disso, mas achei mais nobre continuar, nem que seja por agora, a prosseguir com o sobrenome que minha mãe herdou. É, mas depois do Oliveira vem o Coura (herança do pai dele) e adivinha só: Ele ainda tem 3 anos, mas já espremeram o O…

    Tenho alguns amigos franceses e lá a coisa é beem mais resumida… herda-se o sobrenome do pai e ponto final… assim, assim!

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  6. Oi Sil…
    Pois é…eu mesma acabei abreviando o meu sobrenome nas estiquetas dos cadernos da Bea… instinto de se anular diante do outro sobrenome(?), economia de espaço e tinta? nem sei, mas para minha surpresa, muitas vezes na escola vejo eles se referirem a Bea com Beatriz Anacleto, suprimino o sobrenome paterno, talvez por medo de pronunciar errado, veja só como são as coisas…
    Um beijinho Silmara…
    Josi

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  7. Querida! Quanto amargor leio em vc hoje…Puxa será que captei essa energia mesmo? Não ligue, não, por que embora nossos nomes fiquem aí embaçados e deixados para trás, nós, mulheres, somos os seres fortes que sustentam a vida (nossa, da nossa família, dos filhos principalmente…) e por isso, não importa o nome que tenhamos ou que deixemos. Somos mãe, irmã, esposa, filha, a tia adorada, a vó inesquecível…Isso me basta.
    Beijo no seu coração!

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