Alô?

Ilustração: Eli Brody/Flickr.com

Encontrei com o Seu Tonico dia desses. Estava chateado, seu telefone fixo tinha pifado outra vez. Com voz grave e decidida, anunciou:

– Amanhã vou na Telefônica resolver isso.

Meu pai, nascido na Revolução de 32, é do tempo em que quando alguém tinha um problema com um produto ou serviço que não estava bom, ia resolver tudo direto com o dono da coisa. Está certo, podia não ser exatamente com o dono, mas com algum funcionário dele, num lugar onde o dono provavelmente estaria. Ele é da época em que as relações – comerciais ou não – tinham mais olho-no-olho, mais tête-à-tête. No caso das comerciais, muita coisa mudou desde que seu Tonico despediu-se do lugar onde nasceu e cresceu para ir para a cidade grande, deixando para trás a vida sossegada da fazenda onde seu pai, meu avô, trabalhava; o banho de rio e a vaca Beleza que um dia, enfezada, correra atrás dele até a porteira, para poder pastar sossegada.

Hoje, quando o assunto é prestação de serviços, ninguém mais vê cara. Nem coração. É tudo virtual, seco, pobre. Enquanto Seu Tonico ia contando os problemas com a linha, eu tentava explicar que o telefone dele nem da Telefônica é. Seu Tonico, que viu a Telesp nascer, é do tempo em que só existia uma companhia no setor. Era pior, porém, mais simples. Expliquei que agora era outra empresa, a mesma da TV a cabo. “Que cabo?”. Por que eu fui falar disso?

– Então eu vou lá.

Se Seu Tonico batesse na porta da empresa que lhe possibilita falar ao telefone, talvez nem conseguisse ser recebido. Talvez tivesse trabalho para se fazer entender e talvez tomasse um chá de cadeira até que alguém resolvesse ver o que ele queria. Talvez tentassem, como a vaca Beleza, enxotá-lo dali, para garantir a paz do lugar. Talvez em pouco tempo se instalasse o burburinho, e a recepcionista, perdida, não saberia o que fazer com ele. Ligaria de ramal em ramal:

– Tem um senhor aqui querendo falar com alguém.

– O que ele quer?

– Ele quer falar com alguém.

– Sobre o quê?

– Um problema no telefone dele.

– A gente não resolve problema de telefone aqui.

– Aqui não é uma companhia de telefone também?

– É. Mas ele tem que ligar no Atendimento.

– Ele disse que não vai embora enquanto alguém não falar com ele.

– Ai meu Deus.

E Seu Tonico, sentadinho no sofá bonito da recepção, seria observado de longe pelo Segurança. Não haveria ninguém disponível para resolver aquele pepino, lidar com aquele intruso, aquele corpo estranho. Mesmo que o corpo estranho fosse a razão de viver da companhia: o cliente.

Pensando bem, seria interessante Seu Tonico fazer uma visitinha lá. Só para abalar a rotina paquidérmica da empresa, alvoroçar os ânimos, botar os neurônios da turma para funcionar. Mas eu o convenci de que agora é diferente, sem contudo, estar certa de que isso é bom. O instinto de proteção falou mais alto. Afinal de contas, não é certo deixar o pai da gente arrumar confusão.

10 comentários em “Alô?

  1. Hoje mesmo estávamos eu e um colega de trabalho conversando sobre a impessoalidade das coisas. As coisas acontecem muito igual, pessoas dizem coisas muito iguais. E se alguém diz ou faz algo diferente do “normal”, vem o silêncio. Ninguém estava treinado para responder àquela frase, aquela frase não estava no texto decorado, e decorado às vezes involuntariamente. Lembramos que no tempo da ditadura as pessoas tinham que ter respostas “certas” ou seu destino era incerto. Aí pensamos juntos… “vivemos numa ditadura”.
    Bjs

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  2. Não gosto das impessoalidades de hoje em dia. Não são só produtos em série, são serviços em série. Todos atendem da mesma forma. Aliás, são pessoas em série também.

    Adorei o “Vai que” e a “rotina paquidérmica”.

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  3. Sabe-se lá o que é pior, o pai da gente fazer papel de bobo (ou qualquer outra pessoa) ou essa pseudo modernidade que insiste em nos afastar uns dos outros…
    Venho aqui todo dia, querida. Às vezes comento, às vezes não, por que às vezes não entendo bem o quê você quis dizer e daí me faltam as palavras, ou entendo tanto que me faltam também as palavras…Dá pra entender??
    Enfim…Cá estamos, na beira do caminho. Que a gente não fique sentada esperando, isso não.
    Uma semana iluminada!! Tô com o café pronto e o bolo na mesa, esperando sua visita, quando quiser apareça!

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  4. Silmara, sinto falta do “olho-no-olho” e do “tete-a-tete”.
    Tem coisa que se resolve por telefone ou e-mail, mas nem nome verdadeiro o atendente da pra gente, geralmente o nome e inventado, nao entendo o porque!
    O problema que eu tive com uma instituicao recentemente, tudo foi mal resolvido por e-mail. Ninguem assinava o bendito e-mail e eu nao sabia com quem eu estava falando.
    Ate o momento, eu desconheco se foi homem ou mulher que me assistiu. Nao que isso importe, mas olhar no olho e sim diferente. O Seu Tonico tem razao.
    Espero que meu filho seja assim que nem voce e me de uma forcinha no futuro na hora que eu estiver prestes a criar cena.
    Bjos

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  5. Seu Tonico é dos meus, daqueles que não acha o grande sentido das coisas se tornarem cada vez mais mediadas. Vou te contar um coisa: nasci na época errada. Houve um erro de cálculo para essa minha vida, eu tenho certeza disso. rs.
    Beijo grande.

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  6. Pois é Sil, pai e mãe sempre são preciosos. Fez bem em proteger o seu. Se bem que seria uma cena interessante ver toda uma cia tentar convencê-lo a fazer uma reclamação sem se fazer presente. Ele deve ser muito determinado, não é? Felizes os tempos de Seu Tonico onde a humanidade era mais humana e menos robotizada. Que fique claro: gosto da modernidade que vivemos hoje, mas prefiro as relações humanas, o contato, o olho no olho. Porque assim percebemos a sinceridade ou a falta dela.

    Beijos na alma!
    Layla Barlavento
    http://culpadowalter.blogspot.com

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  7. Coitadinho do Seu Tonico…. já passei por uma dessas e tive que escutar de uma juíza ou conciliadora que atendimento de 0800 é assim mesmo, deixa pra lá, e patati e patatá e eu olhei pra ela e disse entre a indignação e a perplexidade que eu não gostava de ser mal atendida e que isso não deveria ser uma coisa normal, afinal de contas eu pago pelo atendimento… só sei que saí do tribunal com o gosto amargo na boca… acho que foi o sapo que aquela juíza, que aceitava ser mal atendida, me fez engolir…
    Mas pai é pai e temos que protegê-los até mesmo quando sabemos qual a coisa certa a ser feita. Afinal eles também nos protegeram, não é mesmo?

    Um beijinho
    Sil

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