Tão longe, de mim distante

Foto: Mat Gartside/Flickr.com

Richard Bach nem sonhava. Mas em tempos de internet, telefone celular, conexão sem fio e GPS, longe é mesmo um lugar que não existe. Ninguém mais fica, involuntariamente, longe de ninguém. Toda conexão é possível. Mais que isso: desejada.

Essa história de ver e falar com todo mundo na hora em que bem se entende, do lugar em que se esteja, empolga. É bom. Diz que não? Ver, em tempo real, como é o quarto do seu filho de dezesseis anos em intercâmbio de um ano na Nova Zelândia. Falar com sua irmã que trabalha numa estação da Antártida como se ela estivesse ali, na rua ao lado. Assistir ao vivo o show do U2 na Califórnia, do melhor camarote que há: sua sala. Achar e ser achável.

Está certo: reduziram-se as distâncias e produziu-se uma espécie de onipresença. Isso é bom e não tem volta, o que é fascinante. Pois bem. Quero é saber o que foi feito da distância. E agora, que ninguém consegue mais desaparecer, sumir, escafeder-se? Conseguir, consegue. Mas dá trabalho. Arlindo Orlando, aquele caminhoneiro fictício da pacata Miracema do Norte, não conseguiria ter fugido assim tão fácil da sua noiva, fosse hoje. Como fica o mundo, então?

Com tanta presença, qual o futuro da saudade? Assim como os mistérios insondáveis do não estar, a necessidade do cadê, a curiosidade sobre como deve ser – tudo parece estar com os dias contados. A lembrança, que é feita de ausência, pode ser extinta. Tudo é perto e pertencente demais. Mas não é. Nem pode ser.

Gente precisa de desconexão para existir. [Quem diria. Logo eu, dizer isso.] Precisa saber da distância fundamental que marca sua posição no planeta. Precisa do despertencimento e do tempo que constrói as relações todas. Precisa da demora – e não da volta ao mundo em oitenta cliques.

Longe precisa ser um lugar real. O universo, imenso, deve continuar assim. Sua grandeza é que dá dimensão às coisas. Sem ela, nós nos perdemos – em tamanho, função e sentido.

16 comentários em “Tão longe, de mim distante

  1. Engraçado, esse foi o “meu texto” de hoje…falou diretamente comigo pq estou numa fase vício…tirando as 5 horas de sono (pois é, só 5) o resto eu estou conectada…e quando estou em trânsito vou de wap mesmo…depois do texto me senti disponível demais!

    Curtir

  2. parece-me que a questão que a Silmara coloca, de maneira tão bem escrita, não é a de ter ou deixar de ter saudade. Até porque podemos sentir saudades até da forma como tínhamos saudades, não é?
    O texto fala da distância, que tanto físicamente como simbolicamente, é o que configura o tempo, o espaço e o “outro”. E, sem esta condição, o problema é que a saudade muda e é isto o que interessa nos perguntarmos agora. O que mudou? Em que sentido? E, o que isto, nos impacta no modo de ver, sentir e ter saudade…
    Bela, muita bela a sua pergunta e a forma como a faz.
    beijos,
    Flávia

    Curtir

  3. Silmara,

    Você consegue traduzir tão bem o que, no fundo, está no inconsciente coletivo das pessoas. É isso mesmo. Acabaram as distâncias. Então, acabou a saudade? Pra mim, não.

    Sabe que meus pais moram longe e dei p eles um computador com câmera p gente poder se “ver” de vez em quando. Mas a gente quase não usa esse recurso. Então, acabo gastando horrores no telefone, porque me dá mais privacidade nas longas conversas com minha mãe. No fundo, o que gostamos mesmo é de nos abraçar quando nos encontramos e das conversas ao vivo, olho no olho. Isso, será sempre insubstituível.

    bjs

    Ivana (tete)

    Curtir

  4. É… Eu ainda sinto falta de abraços, de voz pertinho, de suco de laranja e chá de maçã com uma engenhoca desconhecida.
    Ainda mais quando nem pelo celular ou email eu tento matar a saudade.

    Que só faz aumentar, viu Sil?! rs

    Curtir

  5. Ai Silmara, voce esta certa sim. Claro que a saudade ainda existe, mas definitivamente nao e mais como ja foi. Eu que to tao longe, 10 anos atras, a saudade era muito pior, quando nem todo mundo tinha e-mail e quando uma ligacao custava uma fortuna, era bem diferente do que e hoje. A distancia e imaginaria.
    Hoje a gente comemora aniversario por conferencia e todo mundo se ve.
    Estar presente as vezes e sobrecarregante. Nao basta fugir, tem que apagar o perfil!
    Antes, quando tinha vontade de fugir, era so entrar no carro e dirigir sem destino. Hoje nao, tenho que desligar o celular, o GPS do carro e pra fugir mesmo, so se apagar o perfil do Orkut. rss.
    Sem contar, que se nao dermos as caras por aqui(esse mundo virtual), o mundo nos questiona o que ha de errado, se estamos doentes, se ta tudo bem, se brigamos com alguem, etc. Simplesmente nao deu vontade de abrir o laptop, o que nao acontece com frequencia.
    Mas o pior de tudo, eu dependo disso tudo que faz do mundo tao pequeno. E como uma droga, todos os dias, varias vezes tentando diminuir ainda mais a mera distancia que restou.
    Sera que vai ficar menor ainda?

    Curtir

  6. Icha! Eu tenho saudade demais. saudade doida. A internet não substitui o abraço. E desta saudade que tenho.
    Com carinho Monica

    Curtir

  7. São incoerências como essas que nos fazem crescer por dentro!
    Cada vez gosto mais das coisas que vc escreve. Quero escrever assim, quando crescer! 😉

    Curtir

  8. Oi Silmara,
    Realmente o longe é praticamente um lugar que não existe mais… Mas mesmo com toda essas “tecnologias” a saudade não deixa de existir!! Ela é real, ela existe dentro da gente e muitas vezes dói prá caramba (porém é muito bom poder senti-la!)!!
    Beijos!

    Curtir

  9. legal ler esse texto agora, fiz uma redação duas semanas atrás exatamente sobre esse tema, dos meios de comunicação e da distancia que cada vez mais passa a não existir..
    lindo texto, bela conclusão, devo assumir que não tive a mesma capacidade de pensar em coisas assim, e digo que minha conclusão ficou um tanto quanto pessimista, falei das barreiras que existem nisso tudo, diminui as barreiras da distancia por outro lado aumenta-se as barreiras da exclusão social e da falta de acesso que alguns tem..

    Curtir

  10. Adoro seus textos!!!
    Mas também concordo em partes.
    A saudade não deixará de existir, conversar com amigos, amores, família através da internet, telefone, à distância, em nada pode ser comparado a um abraço caloroso. Ainda mais depois de um tempo sem poderem se tocar, sem se verem pessoalmente.
    Meu irmão passou 6 meses em Portugal, e apesar das nossas diferenças, e dos contatos que tivemos todos os dias através da internet, o abraço que dei nele no retorno certamente foi um dos mais esperados e melhores que já dei em toda vida.
    Abraços

    Curtir

  11. Silmara, que reflexão profunda e bonita. Fui longe agora…
    Esses seus anseios por um mundo melhor quando compartilhados com tamanha delicadeza fazem um bem tão grande pra alma da gente. Nós, que temos a possibilidade de te encontrar disponível, assim tão por perto, sempre! É um prazer!
    Beijo saudoso,
    Pri

    Curtir

  12. Sinto saudades diariamente. Das minha irmã, das minhas sobrinhas, dos tempos de escola, mesmo que mantenha um contato virtual com algumas amigas tenho plena certeza que nossa amizade hoje é bem diferente daquela mesmo que o carinho que tenho por elas seja grande. Perdemos a mão. Sinto falta da disposição que tinha antes pra andar de bicicleta ou jogar volei, mas tudo tem seu lugar no tempo. A saudade e a distância inclusive. Estar longe não depende da distância. Quantas vezes nos vemos longe longe numa conversa monótona quanquer de algum assunto que sabemos de cor e salteado e bate aquela pena de ter perdido a paciência pra dar atenção… hummm acabei de pensar que alguém aqui perto exige minha atenção pra abrir o Yakult…. e eu estava estava longe….
    um beijinho Sil…
    ei… descobri que tenho saudades de alguém que nunca vi pessoamente…
    Que tá aqui, ao alcance dos dedos e longe longe….
    um bom dia!

    Curtir

  13. Tocante.
    porém sou a favor de toda essa evolução.
    Saudade sempre vai existir, quando em função de quem realmente gostamos.

    Sabe quando você vê a pessoa pela manhã e quando é à noite você já está com saudades? Comigo funciona assim, hehe.

    Milbeijos.

    Curtir

Quer comentar?