Será o Benedito?

Outro dia ele apareceu em casa, já noitinha. Eu fechava as cortinas da sala quando bati os olhos nele, folgadamente aboletado na poltrona. Será o Benedito?, pensei. Era. Queria saber o que eu queria com ele.

– Como assim? – perguntei. Sentei-me no sofá.

– É que você vive falando meu nome. Vim ver o que é.

Ele tinha razão. Não tem pessoa no mundo que evoque mais São Benedito do que eu. Ora é São, ora é Santo. Mas é sempre ele, como se não existisse mais santo nenhum, que eu chamo para acudir. Na hora da pressa, da raiva, do desespero, da paciência esgotada. Quando levo uma fechada no trânsito, ou o Word dá pau. Quando a filha chama, pela vigésima terceira vez em cinco minutos, ou se a cancela do estacionamento do shopping resolve emperrar bem na minha vez.

Ensaiei as desculpas ao santo mouro quando ele, amavelmente, me interrompeu. Todo santo é amável.

– Não é que eu não queira ajudá-la – disse, entrelaçando as mãos sobre a túnica, como quem se prepara para fazer uma importante explanação. – É que cada santo tem o seu departamento, compreende? A Edwiges, por exemplo, cuida do Financeiro. Se é para ontem, o Expedito dá conta do recado. Para achados & perdidos, Longino é o cara. E nem precisa dar os pulinhos, isso é invenção do povo.

– Longino? Mas não é Longuinho, São Benedito? – perguntei, encafifada.

– Pois é. Tanto tempo se passou, minha filha. Ficou Longuinho. Mais fácil de dizer. Mas não se preocupe, ele leva a coisa como um apelido carinhoso.

Eu não sabia se servia um café ao Benedito, não faço ideia do que gente canonizada gosta de beber. Ainda mais ele que, aprendi no Google, é chegado aos assuntos gastronômicos.

Então, o santo descobriu, sem querer, que a poltrona reclinava. Deitou-se, sentou-se, deitou-se de novo, pés balançando sob as vestes (aquilo era um All Star?!), rindo uma risada gostosa de quem acabara de criar uma brincadeira nova.

– E vou lhe falar mais uma coisa – disse, ajeitando-se em um meio termo da reclinação e encerrando a santa risada, enquanto buscava ao lado da poltrona algum entendimento da engenhoca: – Acho que você não precisa de tanta ajuda assim.

Bingo. Não preciso mesmo, o santo estava certo. Difícil é mudar o padrão. E agora, o que é que vou dizer naquelas horas? Será que tem algum santo das reclamações bobas?

Só sei que vou dar um jeito de agradecer ao Benedito pela visita e pela santa dica. Amanhã mesmo passo naquela loja que tem umas poltronas bonitonas, escolho uma reclinável, branca, bem macia. Certeza que para o céu o frete é grátis.