Os filhos dos seus bisnetos

Álbum de família

Fato: os filhos dos seus bisnetos não saberão nada sobre você.

Na melhor das hipóteses, muito pouco. Ouvirão pedaços de histórias nas reuniões de família, verão fotografias em um álbum amarelado ou num arquivo jpg escondido n’algum velho HD. Um vídeo, talvez. Acredite, porém: eles não saberão de você do jeito que você se conhece.

Não saberão para que time você torce, nem se você gosta de rock ou prefere jazz. Ninguém lhes contará que você já foi ao Egito e sabe fazer mousse de maracujá. Nunca imaginarão que você já teve uma banda ou que escreve poesias. Nem que você consegue desenhar cavalo, que é a coisa mais difícil deste mundo. Ou que chegou a dirigir uma empresa, antes de se aposentar e ir viver lá no meio do mato com os sacis. Muito menos que sua paixão é a dança e que você sonhava, secretamente, se apresentar no Municipal. Jamais saberão como é a sua voz. Se a sua risada é estrondosa ou discreta, ou como você gosta de pentear os cabelos. E que você sempre chora nos filmes de amor.

Dos nossos avós a gente costuma se lembrar bem. Com um pouquinho de sorte, dos bisavós também guardamos alguma recordação. Poder abraçar os trisavós, no entanto, é para poucos. Tomar chá da tarde com os tataravós, definitivamente, é raridade. Pena. A gente deveria saber mais das pessoas de onde viemos. Para ter entendimento de como chegamos aqui e para onde vamos daqui em diante. Mas para isso cada um precisa fazer sua parte: contar muitas histórias aos filhos, várias vezes, até eles enjoarem. Para que eles as contem aos seus filhos e assim por diante.

E, do mesmo jeito que se aprende História – do mundo, do Brasil – na escola, deveria existir na base nacional curricular comum uma matéria chamada “História da Gente”. Aprenderíamos a escrever os livros de família de um jeito diferente, recheados (quiçá ilustrados) com nossos detalhes essenciais, esses que geralmente passam despercebidos e são, sim, da maior relevância política, econômica, social. Plantaríamos, em grandes cadernos de desenho, nossa árvore genealógica, não só mostrando seus ramos e galhos. As flores e as raízes também.

Eu sei fazer mousse de maracujá. Que os filhos dos meus bisnetos saibam disso.

17 comentários em “Os filhos dos seus bisnetos

  1. Sempre fui ávida por essas histórias. Catarina, nos últimos instantes de vida, acendia seu cigarro hollywood e começava a contar coisas da guerra e de como se rebelou contra a família alemã ao se casar com o meu avô, negro. Ela era saudosista demais e deve ter deixado essa parte genética todinha comigo…rs
    Mas concordo com vc, amiga.
    É essencial que as famílias construam seus livros históricos. A vida passa tão rápido e no fim, a única preciosidade palpável é saber de onde viemos e se usamos ou não as oportunidades pra construir finais felizes, vias diferentes e tantas lições que essa caminhada em conjunto nos proporciona.
    Boa noite, querida. Vamos continuar a escrever!!!! É o nosso ofício, sabia??

    Curtir

  2. Sem contar que esse foi um abre-olho para criarmos hoje memorias para os que nos sucedem.
    Gostaria de estudar meus antepassados nao somente para dar continuidade a historia da familia, mas preciso tambem poder culpar alguem por certas coisas. Rs.
    Abracos.

    Curtir

  3. Que bom que nada se perde na criação divina! Seria muito triste se nós não tivéssemos mais contato com nossos entes queridos…Eu tenho um avô (paterno) que morreu antes de eu nascer. Agora tento recuperar sua história, de jogador de futebol de sucesso (campeão paulista!!) nos anos 30. E sabe o melhor? Sinto sempre que ele me ajuda, que está ao meu lado, que me inspira e ri das minhas perguntas, que são tantas…Minha avó materna, italiana da gema, também…Me deixou de presente, arrumados e enfeitados com fitas seus cadernos de receitas e de tricô, escritos a nanquim, com datas, nomes de pessoas que lhe deram as receitas, desenhos, suspiros e memórias…Sou feliz por que ela também, sempre ao meu lado, ainda guia meus passos.
    Nada se perde, tudo se entremeia nos laços do amor que une as verdadeiras almas gëmeas.
    Adorei seu texto. Que seja uma verdadeira inspiração para que as pessoas voltem a valorizar o nosso maior bem: a família, não só a que foi, mas a que é agora. O presente é o nosso tempo, e por isso precisamos vivê-lo bem.
    Uma semana iluminada!

    Curtir

  4. Fiz este exercício, recuperei com entrevista com os meus tios, a história dos meus avós e deles, reescrevi e dei um exemplar a cada um deles. Coloquei também as fotografias que conseguimos (eu e uma prima). Agora é com meus primos acrescentar suas próprias histórias e passar a árvore adiante. Com seus frutos e flores.

    Curtir

  5. Que lindo, Silmara.
    Cada um tem um tipo de convivência em família, e eu sempre tive mania de ver meus avós como pessoas velhas que ficam em casa e cuidam das plantas. Como se nunca tivessem sido crianças, ralado os joelhos, como se nunca tivessem sido adolescentes e se apaixonado, cometido erros, e tido medos. Demorou muito tempo até eu perceber que meus avós também devem ter passado por situações parecidas com algumas que passei, e que alguns conselhos que eles davam, valiam a pena. Demorou até eu perceber que pra chegar onde eles chegaram, eles passaram por uma vida inteira, em partes bem parecida com a minha.

    Curtir

  6. Me deu saudade da minha avó, das historias que ele contava, da familia que veio, que foi, da raiz, dos frutos.
    Fico a pensar se meus bisnetos saberão quão feliz fui, das palavras que semeei, dos amores que vivi…
    To com saudade eterna

    bjos lindeza minha

    Curtir

  7. Vou deixar meus blogs salvos pra sempre, informar alguém das minhas senhas e tudo. Recordações virtuais. Mas antes disso, melhor procurar saber dos que vieram antes que é pra saber mais da minha própria história para poder contá-la direitinho, né não?!

    Curtir

  8. Sempre…sempre que venho aqui (nao venho todo dia nao!) encontro um texto que toca minha alma.
    E hoje o que sentí foi uma vontade de chorar, pq ví que perdi uma parte da minha historia e nao tinha percebido.

    um beijo bem grandão.

    Curtir

  9. Nossa Sil é tão bom saber das histórias de nossos antepassados,como eu lhe disse sou curiosa e ficava frustrada quando queria saber de algum parente e ninguém sabia responder nem os próprios filhos deles não sabiam, eu quero que minha história corra de geração a geração é legal isso.E obrigada

    Beijos

    Curtir

  10. É isso mesmo. Não cultivamos nossos ancestrais como outras culturas. Não ninamos nossas crianças com historias dos avós, bisavós, e as vezes, elas nao sabem sequer a historia dos pais. Como se conheceram…Se apaixonaram. Lembro da minha avó falando da vida dela no interior, lembro do meu pai contando como os pais dele se conheceram. Esse é um hábito barato e fácil para cultivar! Podemos começar em casa…beijos.

    Curtir

  11. Essa é uma preocupação recorrente na minha família. Minha avó escreveu a história sobre os parentes dos quais se lembra e manteve um diário por muitos anos. Minha mãe escreve um diário para a minha filha. Eu mantenho um blog que poderá ser lido por quem se interessar. É muito bom saber de onde viemos. O sentimento de “pertencer” é fundamental para a auto estima.

    Tive MUITA sorte: pude conviver com 4 avós e 4 bisavós. E umas das minhas bisavós chegou a conviver alguns meses com a minha filha. E guardamos uma linda foto com as 5 gerações.

    Depende de nós ensinar o quanto a história é fundamental!

    Bjos!

    Curtir

  12. Conheci uma bisavó, mas só lembro dela doentinha. Minha vó materna e meu vô paterno se foram há alguns anos, mas os tive perto de mim por algum tempo. Hoje só tenho minha vó paterna, graças a Deus forte e saudável, e que eu amo muito.
    Mas seu texto me deu mesmo foi uma saudade do meu vô Cimundo, o pai da minha mãe, que morreu quando ela estava grávida de mim. Dele só sei as histórias, sempre ótimas.
    Texto lindo, como sempre.
    Um grande beijo.

    Curtir

  13. Nossa Silmara, tava pensando nisso esses dias! Como a história de cada um tem começo, meio e fim. E se perde mesmo no tempo. Eu, que já perdi meus pais, não teho mais respostas para minhas dúvidas. Não tá em livros nem no google. Poucas fotos, sem legendas, não ajudam muito.
    Um beijo!..Vc e sua sensibilidade…

    Curtir

  14. Bom dia Sil.

    Esse texto, com certeza, meu marido vai adorar, pois ele está fazendo o estudo da genealogia da família e é uma empreitada árdua, pois pouquíssimas pessoas da família se animam, não tem o mínimo interesse na própria história. Eles esá finalizando um artigo para um livro sobre os 180 anos de imigração alemã em Santa Catarina, que deve sair no ano que vem, (espero). Mas veja que coisa bonita ele me pediu outro dia: Ele me disse que tinha medo de que nossa história se perdesse como a história dos seus, e então ele começou a escrever a história dele, de forma resumida, mas com alguns detalhes importantes e escreveria até quendo me conheceu e eu teria que fazer o mesmo. Então nós passaríamos a escrever sobre nossa vida juntos, como um diário dos fatos importantes, E assim, pela vida a fora, incentivar nossos filhos para continuarem essa história… É um sonho dele que isso de certo, não sei bem até quando, mas daqui a muitos e muitos anos, nossos tataratataranetos iriam saber um pouquinho de nós, sem abraços, mas com laços desenhados pela palavra escrita.

    Um beijinho Sil e aé mais!

    Curtir

  15. Sil querida,
    lembrei da minha mãe….Ela adora pesquisar os antepassados. A única vez que vi meu pai muito emocionado foi quando ele ganhou da minha mãe um album de fotografias que ela levou dois anos para fazer. Nele, fotos antigas da família do papai, desde seus bisavós, garimpada com carinho entre os parentes do meu pai.
    Recentemente ela terminou a empreitada da árvores genealógica da família dela. Aproveitou a pesquisa de um padre, parente distante. E depois de tudo pronto, desde os idos de 1800, mandou fazer uma arte muito caprichada e imprimiu bem grande. Vai colocar num quadro num lugar de destaque.
    Mas esta semana eu me emocionei com algo presente que quero como legado: a mamãe mandou gravar em seu cajado todas as viagens que tem feito ao longo de 12 anos com os alunos do Colégio Arnaldo pelas Serras da Canastra, de Vassouras e de Ilha Grande. E entre elas, a famosa subida ao Pico da Bandeira, que lhe rendeu uma perna quebrada e uma história hilária.
    Este, quero que fico comigo, para eu passar para as futuras gerações.

    Beijos

    Ana

    Curtir

Quer comentar?