Partida e chegada

Foto: Pink Sherbet/Flickr.com

Era dia dos mais sem graça. Dia bom, porém. Mas com jeito de dia usado, daqueles que parecem já ter acontecido. À noitinha dei um pulo no aeroporto, o avô das crianças vinha passar uns dias em casa. Enquanto o esperava, brinquei de prestar atenção no mosaico de gente e mala que se formava a cada embarque e desembarque. E acabei encontrando ali a graça do meu dia. Aeroportos são estações de trem com asas.

Um velho numa cadeira de rodas passou pela minha frente. Atrás dele, um bebê num carrinho. Cada qual com seu condutor. Eles não estavam juntos. Mas tinham algo em comum, além dos cabelos ralos: os dois dependiam de alguém para cuidar deles.

Infância e velhice passam à nossa frente o tempo todo. Para notá-las é preciso ter olhos de ver. O que não é nada fácil para quem está na metade do caminho, longe das duas pontas. A gente se esquece do que já foi e finge não saber do que será.

Saber os dois – bebê e velho – é exercício. De paciência, para o primeiro. De cuidado, para o segundo. Porque o velho é um espelho mágico que mostra o futuro. Então, meu amigo, é bom se cuidar. Começando pelo coração, que é a casa da cabeça. Ele manda no resto. Manda até nas pernas, nossas rodas de verdade.

O bebê do aeroporto era risonho, inquieto na sua fome de novidade. O velho era sério, imóvel. Olhava para o nada, já que tudo lhe parecia conhecido. Bebê e velho eram começo e fim. Oito e oitenta – meses e anos. Diferença e indiferença. Partida e chegada. Como as origens e os destinos lá no grande painel do mundo, que troca as informações a todo instante. O bebê ia para o velho. O velho vinha do bebê. O bebê me disse de onde eu vinha. O velho me mostrou para onde eu ia. E os dois me lembraram que o tempo passa é muito rápido. Voando, eu diria.

16 comentários em “Partida e chegada

  1. Oi, Silmara!
    Fica faltando alguma coisa, quando não dou conta de ler os meus blogs preferidos( o seu, na minha listinha). É porque, não dá pra passar por aqui, correndo; tem de ser em câmara lenta, como descreveu no seu último post, para podermos saborear cada crônica, como se deveria: com vagareza e atenção; como se tivéssemos saboreando um bom prato.

    Costumo dizer que quando velhos, o homem volta e ser criança: depende de um adulto que lhe cuide, fica na cama, sem conseguir se locomover, usa fraldas…São os extremos de vida que acabam se tocando…
    Abraço!

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  2. Silmara,
    Estou fã de seus textos! Sempre passo aqui para acalentar meu coração ; )
    Onde está seu livro? Estou esperando…
    beijo

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  3. Oi Silmara,

    Olha eu aqui de novo me emocionando com seus textos. O mais bonito de tudo isso é de onde você tira as reflexões, usando a vida como matéria-prima. O seu olhar capta o que poderia ser banal e nos coloca numa perspectiva existencial. Faz isso de um jeito doce e leve, mas também dá aqueles chacoalhões que tanto precisamos pra não cair em moto-contínuo.

    Pra viver bem e estar sempre sintonizada comigo mesma e com o mundo, lanço mão de várias estratégias: penso, me alinho, olho as pessoas, converso, faço terapia, rezo e leio. Ler o seu blog faz parte de tudo o que faço nos meus dias pra ser essa pessoa melhor. Obrigada por isso, de verdade.

    beijos,

    Ludmila

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  4. Silmara,

    Como semprevc nos fz parar e refletir sobre coisas tão óbvias, que estão aí, na nossa frente, o tempo todo, e fingimos não ver. Porque é muito melhor que seja ssim, mais cômodo, mais confortável.
    Fingimos não ver principalmente a velhice, q eé para onde todos nós vamos, se não nos acontecer algum acidente de percurso, é claro. A velhice nos lembra decadência, decrepitude, incapacidade e o pior, dependência.

    Acho que é um grande exercício, mais que isso, uma gesto de extrama generosidade, pensarmos na velhice, nos imaginarmos velhos, termos empatia com os mais velhos. Isso nos faz sentir mais iguais, ao invés de tão diferentes, e a vida fica mais bonita.

    bj

    Ivana

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  5. Adoro o que vc escreve!Esse texto mexeu muito comigo!Resolvi comentar!Vc tem uma delicadeza no escrever,muito linda!Obrigada!Uma linda semana pra vc!Bjss!!:)

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  6. Oi Silmara!

    Estava ainda “ruminando” aquele post ‘Ruim da cabeça’… Por isso não havia comentado os últimos escritos. É interessante perceber algo particular que tem acontecido com a leitura do que vc escreve… Já é a terceira vez que eu penso em questões que, de alguma forma, são respondidas/compreendidas através seus textos…
    Obrigada.
    Beijos

    Nara

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  7. Quanta delicadeza nessa sua maneira ímpar de enxergar a vida nos pequenos detalhes!
    Seus textos me fazem abrir os olhos, assim, bem simples e de um jeito tão sutil…
    Beijo carinhoso e ainda mais sucesso!

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  8. Você já viu “O Curioso caso de Benjamin Button”? Lembrei dele na hora!!!!
    Ah, e virei leitora fiel. Beijos!

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