Mrs. Franklin

Foto: George/Flickr.com

A história que a minha professora de inglês contou foi assim.

Certa vez, a diretora da nossa escola recebeu um telefonema. Como tantos outros que ela recebia todos os dias. Era uma escola de idiomas nos Estados Unidos, morei lá. Do outro lado da linha, uma mulher queria saber sobre as aulas de francês. Os horários, os métodos. A diretora respondia tudo sem a menor dificuldade, nenhum desafio. Mais um dia comum na sua vida. A mulher perguntou se poderia ter aulas em domicílio, não costumava sair muito de casa. Sim, poderia. Perguntou se seria possível um curso bem rápido, ela tinha pressa. Sim, seria.

Na maioria das vezes, aquela conversa terminaria ali. O interessado ficaria de dar uma passadinha na escola, ou não, e tudo mais caminharia dentro da normalidade. Mas a diretora se interessou e quis saber mais sobre a mulher que tinha tanta pressa. Foi lhe dando corda. E olhe que norteamericano, no geral, não é povo de muito lero-lero. Costuma dizer apenas o essencial, ou pouco mais que isso. Se você parar um deles na rua para perguntar onde fica tal rua e ele não souber, é exatamente isso que ele lhe dirá: “Não sei”. E continuará seu caminho. Mas se pedir a informação a um brasileiro, por exemplo, aí é bem diferente. Se ele não souber, tratará de saber. Chamará outra pessoa que passa pela rua, só para tentar ajudar. Irá com a pessoa que perguntou até um posto de combustível. Em pouco tempo, se formará uma verdadeira equipe tentando saber daquela rua. E provavelmente descobrirão onde ela fica.

A mulher contou, então, que era cantora. Havia sido convidada para se apresentar para uns franceses. Cantaria na língua deles e não queria que seu sotaque ficasse muito saliente.

Embalada na prosa, a diretora, querendo agradar, falou que ela deveria cantar muito bem, então. A mulher, sem modéstia, lascou: “Na verdade, milhões de pessoas acham isso, querida”.

A essa altura a diretora, que até então só a chamara pelo sobrenome, Franklin, quis saber com quem estava falando. A mulher respondeu: “Aretha”. Os franceses, no caso, eram autoridades do país, gente graúda.

A professora contou que, depois da revelação, a diretora engasgou e, ao contrário dos minutos anteriores, teve certa dificuldade para levar a conversa até o fim. O que se diz para a rainha do soul?

Só sei que Mrs. Franklin teve suas aulas e deve ter feito bonito no dia. E eu aprendi: até os deuses vão à escola.

13 comentários em “Mrs. Franklin

  1. Bem notado Silmara. Os americanos nao sao de dar trela nao. Agora que vejo que eles me chamam de nice no trabalho pois provavelmente eles nao se veem tao nice como eu.
    A principio, eu estava certa de que essa mulher que se dizia cantora, era nada menos que presuncosa. Esse misterio comico com um “twist” no final me mata. A minha reacao foi rir com a surpresa ao descobrir que era a Aretha Frankin no telefone. Eu tambem teria gaguejado! Tambem imaginei a professora colocando o telefone de lado e movendo os labios tentando falar pros colegas de trabalho quem era no telefone com ela, derrubando a caneta, o cafe, etc. Rs.
    Obrigada por dividir essa estoria. A minha licao foi de que nos, meros mortais por mais que achamos tarde pra aprender coisas novas, ainda podemos, pois como voce colocou: “ate os deuses vao pra escola”.

    Beijos

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  2. Continuando o tema do post anterior, essa diretora só teve esse privilégio de dilalogar com uma diva, porque parou, deu atenção e se interessou.
    Todos ganhamos.

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  3. Os deuses vão à escola e fazem muito mais coisas que “prefiro não comentar”…rs
    Agora, tem as tais “eusouumadivãdálicença” que, dá licença!
    Adorei o texto, pra variar…rs
    beijos Silmara.

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  4. Silmara, bom dia. Superando-se novamente… Me faz um bem enorme ler seu blog, aquieta a alma e enche de paz o meu dia.
    Lembre-se: tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.
    Ah! Meu bom Exupery sabia bem do que falava…
    Um beijo da sua fã.
    Marie Luna

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  5. Menina, os deuses vão á escola sim. Deixa eu te contar esta:
    Em 92, eu tinha 17 anos e acabado de passar no vestibular. Como teria 1 semestre sem aulas, decidi ir estudar italiano.
    Na sala tinha um senhor de terno que todos tratavam com o maior respeito, o chamando de “professor”.
    Eu não sabia quem era, e apenas o achava simpático.
    Um ano depois, quando terminei o ciclo básico e fui efetivamente para a faculdade de direito, trombei com este senhor no corredor, e fiquei sabendo era ele. Ninguém menos que Humberto Theodoro Júnior.
    Para quem é da área do direito, este senhor é um dos maiores processualistas do Brasil. Seu Curso de Processo Civil é adotado em todas as faculdades do país. O homem é uma sumidade.
    E estava ali, estudando italiano comigo, na maior humildade.
    Poderia ter quantas aulas particulares quissesse. Mas preferia ficar no meio de uma turma.
    Dai em diante, quando eu entrava no elevador com ele, fervendo de alunos, perguntava em alto e bom tom: – Professor, o senhor fez seu dever de casa hoje??
    Bons tempos….
    Beijos
    Ana

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