O tempo das coisas

Wordle.net

A primeira vez que comprei uma agenda foi quando entrei na faculdade. Achei que teria coisas demais para fazer e tive medo de esquecer alguma. Também acreditava que com ela eu pareceria uma mulher ocupada. E gente ocupada não tem tempo, mas tem agenda.

Agendas, depois eu descobri, servem para nos lembrar que não damos conta do que temos, ou cismamos que temos, de fazer. Agendas são os coronéis do dia-a-dia, a todo instante nos mandando por a vida em ordem.

O que, no meu caso, é inatingível. Transfiro tarefas de hoje para amanhã, as de amanhã para depois de amanhã, e depois para a semana que vem, para o mês seguinte. De tempos em tempos preciso revisar tudo e buscar tarefas esquecidas lá no passado, como quem encontra uma roupa no fundo do armário da qual já não se lembrava mais.

E um dia me dou conta: muito do que precisava ter sido feito, não foi. Muito do que fôra agendado era simplesmente inútil. E o pouco que realizei parece ter sumido no vácuo do não-realizado. Terão os dias ficado mais curtos, ou a vida mais cheia de tarefas? Ou será o nosso cérebro que está batendo o pino? Ou nada disso e é Cronos que está nos sacaneando?

Com o tempo virei refém da agenda, escrava do Palm Top. Que resolveu agora alternar períodos de lucidez com períodos de sonolência. Aparelhos eletrônicos também ficam doentes.

Para me salvar, inventei de usar caderninhos. Que, além de fazer as vezes de agenda, têm outra função em tempos de esquecimento fácil – ou crônico. É nele que registro as ideias captadas do mundo ao meu redor, matéria-prima do que vai virar história. E elas – as ideias – surgem sem aviso prévio. Daí a importância de ter algo à mão, funcionando, para atender ao chamado da inspiração. (O que também não é garantia nenhuma que dela vá sair algo de bom.)

Perder a inspiração de vista, como quem perde alguém na multidão, pode ser como perder um trem. Que partirá sem mim caso eu não esteja na plataforma na hora certa. Sem dó, ele irá embora seguindo seu ofício de inspirar alguém mais atento ao tempo.

Vejo ao longe a fumaça da velha locomotiva, riscando de cinza um colorido céu invernal. Ouço seu apito, é a inspiração chegando. Ela pára por alguns segundos na plataforma do pensamento. Abrem-se as portas das ideias, embarco e aboleto-me ao lado da melhor janela. E fico lá, desenhando e combinando no caderno-agenda as letras que vou encontrando pelas paisagens.

Desembarco, enfim, em qualquer estação. Qualquer uma serve, qualquer uma vale. Durante a viagem formei tantas palavras que é preciso agora por ordem nelas. Vou penteando uma por uma. Para que no dia certo elas cheguem, quem sabe, ao coração de quem as lê.

21 comentários em “O tempo das coisas

  1. Oi, querida. ..
    Porque suas palavras conseguem me fazer chorar? Sinto uma nostalgia que dói a alma.
    Querida.
    É por mim querida uma pessoa que consegue me fazer chorar assim. E após enxugar as lágrimas ir correndo dar três beijos: um em cada rostinho lindo, de princesinha.
    Três princesas que moram em minha humilde casa. Três princesas que estão crescendo.
    Ah, como eu queria que todas as agendas fossem jogadas fora…
    Mas não pode, né? Acho que não pode não !
    Um beijo no core,

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  2. Super Sil! nunca consegui usar agendas. Faz tempo que as troquei por caderninhos de um real, muitas vezes sem pauta… quando a pauta existe eu as ignoro. Ali cabe as tarefas do dia, um desenho, anotações…uma frase pensada que vai virar poesia no Inspire Fundo, tudo misturado… como na minha cabeça.Cada louco com sua mania, é um clichê bem verdadeiro. Um amigo meu, escritor dos bons, disse que nunca conseguiria ter esses cadernos para tudo. Ele só consegue escrever quando encontra a paz de sua escrivaninha e está vestido de branco (!).
    Sobre o tempo, o tema principal, estou lendo um livro que se chama Devagar. O fato de eu estar ainda nas primeiras páginas não me impede que eu te indique…

    http://afiliados.submarino.com.br/books_productdetails.asp?Query=ProductPage&ProdTypeId=1&CatId=11702&ProdId=837319&ST=BV11702

    um beijo e bom fim de semana

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  3. Silmara,

    Não resisti, já li todos. Fiquei tocada com as meninas superpoderosas, calou fundo em mim, porque sei que a maioria de nó, eu, inclusive, fecha os vidros pra elas.

    Ma identifiquei mesmo mesmo foi com o ser diferente. Sempre fui magrinha, de pernaa finas, e ainda por cima, usava óculos. No início da adolescência, isso era um desastre. Também não is pra escola de carro, primeiro de carona (invariavelmente era humilhada), depois, o ônibus.
    Demorei pra arrumar namorado… e auto-estima. Mas no final, pode acreditar, deu tudo certo. Nem de longe, lembro aquela menininha magrinha, perna fina, óculos no rosto.

    bjs

    Ivana

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  4. Oi Silmara,

    Só agora pude vir aqui agradecer o recadinho carinhoso que vc deixou p mim no meu blog (umptresenteprecioso.blogspot.com).

    Ah, pude ver tb que estou super atrasada com a leitura dos seus textos, que foram muitos, nos últimos dias. Estrou correndo para ler todos e me deliciar, como sempre.

    bj

    Ivana

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  5. A primeira, e unica, agenda que tive na vida acabou virando diário…

    Meus cadernos de anotacao sao rascunhos de meu blog…

    Decididamente, nao nasci pra ter compromissos anotados!

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  6. Oi Silmara, eu sou adepta do caderninho. Tenho-o sempre à mão. E nele anoto referências de algo bom que vejo pelo caminho. Não vivo sem meu caderninho que tem na capa a palavra “ilumine-se” e o desenho de uma lâmpada. Acontece sempre de eu usar determinada ideia tempos depois dela ter sido anotada. Mas confio. Meu caderninho guarda para mim o tempo certo para tudo. Beijos.

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  7. Eu sinto falta de um papel à mão quando tenho uma idéia boa para um post, porque sem ele eu esqueço mesmo. Minha irmã marca tudo na agenda, e vive atrapalhada, nunca termina o que começa e nunca tem a agenda livre. O problema é um papel nos avisando quando e o que temos que fazer, ou a nossa falta de molejo pra fluir o dia a dia!?

    Abaixo às agendas!!! ahahahaha

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  8. Bom dia Flor!

    Ontem antes de sair de casa, peguei o meu “caderninho de anotações” e comecei a anotar tudo que eu tinha que fazer na rua. Fui anotando, anotando, lembrando devagar e deu um folhinha inteira, escrita também pelas beiradas. Fiquei tão atormentada (ainda 1º dia de menstruação) que na hora de sair da garagem esbarrei numa pilastra…ai ai.
    Fui para o centro, fiz um pouco de coisas antes da hora da hora marcada com o neurologista. Na consulta de 2h, uma conversa muito legal sempre (ele é uma pessoa muito especial – um amigo), ele me disse, para meu espanto, que não era pra ficar chateada em ter déficit de atenção (eu tenho). Disse que é um privilégio – os grandes gênios tinham e têm e ele e eu também!
    Disse que as pessoas “normais”, muito atenciosas, não conseguem uma meditação tão eficiente como nós, nós temos o “poder” de nos desligarmos, não guardar tantas informações que esse mundo capitalista/consumista nos impõe. Temos é claro de fazermos alguns rituais, como ter um porta chaves, um porta carteira e chaves do carro, caderninho, agendinha e principalmente alguém que nos ajude na nossa desorganização…rs (ainda bem que meu marido é muiiiiito compreensivo).

    Mas finalizando, cheguei em casa com o caderninho cheio de coisas sem fazer, mas hoje eu começo de novo – “deixa a vida me levar, vida leva eu…”

    Seja abençoada pelas suas palavras sempre!

    Bijim e Om Shanti

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  9. Silmara,
    Estou encantada com o seu texto, parabéns!
    Me identifiquei muito com este post em especial, acho que pelo meu apego às agendas (ou seria ao tempo?), entra ano sai ano. Agora, além da agenda, resolvi comprar um caderninho “amarelo marcador de livro”, pra tentar organizar essa minha intensa rotina de psicóloga, publicitária, professora, mãe, mulher, esposa, filha (ufa!)
    Em meio a tantos compromissos, ler bons blogs como o seu e arrumar um tempinho para escrever no meu (“passa lá depois pra tomar um cafezinho”…) é uma pausa deliciosa!…
    Prazer em conhecer você, já estou fazendo propaganda sua!…
    Um grande abraço,
    Renata.

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  10. Olá Silmara!
    Dizem que tempo é prioridade. Às vezes aceito e sinto como correto este clichê, às vezes não.
    Incrível como isso da falta de tempo é tão comum a nós e também sinto que, quanto mais tempo passa, menos tempo eu tenho.
    Os seus textos não podem ser lidos de qualquer jeito, de forma corrida, eles precisam prioridade. Por isso sumi, mas não esqueci e fico de olho a cada atualização. Tô necessitada de um tempo maior e mais tranquilo pra apreciar o que eles me trazem de bom. E sempre trazem.
    Hoje li este aqui e o “Carta à Editora”. AMEI.
    Parabéns. Seu blog é, sem dúvida, pelo menos pra mim o melhor que acompanho.

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  11. Olha tempo é artigo de luxo hoje em dia e eu também sou escrava da agenda. Tenho tudo controlado desde gastos corriqueiros a consultas médicas periódicas, se tenho um retorno em 6 meses, já agendo logo. Não fosse assim, eu enlouqueceria! Beijos!

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  12. Tempo Tempo mano velho, falta tanto ainda, ….
    como diz o Pato Fu…
    Falta, em todos os sentidos possíveis, como for melhor entender, tempo que não temos mais, ou o tempo que virá. Só depende do momento… Há dois tempos sobre o qual não temos domínio… o dia de ontem e o de amanhã. Hoje, é outra história, esse segundo, já é passado. O tempo é um maluco, que empurra um louco, para o futuro, e acada passo deixa no rastro o que passou.
    Beijinhos felizes, Sil
    vou voltar pro meu trabalho de hoje, que era pra ter feito na semana passada… lavar o meu banheiro! para no futuro ter que repetir a dose!

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  13. Oiii!!!
    Você pode não ser organizadas nas tarefas a fazer, mas suas palavras são tão bem organizadas, como uma locomotiva, que trabalha e chega ao seu destino de forma eficiente…
    Bjs e até mais…

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  14. No meu coração ja chegaram…

    Eu tenho agenda desde os 13, mas tirei delas as datas, não obedeço o tempo, eu faço o meu proprio, preciso de papel, a cabeça fervilha de palavras, escrevo, depois organizo a minha maneira…

    bjos lindeza

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  15. Elas chegam. No meu, elas sempre chegam!

    Um dos meus critérios pessoais pra avaliar um texto é este. Se eu consigo ver fotografias enquanto leio, então o texto é… sublime!

    Adorei! Parabéns!

    Beijo!

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