Carta para a Editora

R.Chappo/Flickr.com

Querida Editora

Houve um tempo em que eu, jovem, ficava até triste quando via a sua revista. Como naquelas vezes onde eu, criança, não podia ganhar a boneca que falava. Minha mãe dizia que eu era uma boa menina e a merecia. Mas que ela não era para mim. De um jeito parecido, eu folheava as páginas da sua revista e percebia que nada, ou quase nada, ou muito pouco, era para mim.

E eu ia ficando triste, editora querida.

Um dia entendi porque a boneca falante não poderia ser minha. Adulta, também notei que havia alguma coisa errada na sua revista. Porque você dizia que ela era para mim. Mas não era.

Hoje eu passeio pelas páginas onde você sugere coisas para que eu tenha um guarda-roupa bonitão e para que eu seja feliz. E me dá uma vontade doida de perguntar, querida editora.

Quantas leitoras da sua revista podem, de verdade, pagar pelos jeans, pelas blusas, pelas bolsas e pelos sapatos de três dígitos, tão próximos dos quatro, da sua vitrine de papel? Porque eu sei que mais da metade das suas leitoras são mulheres como eu. E eu não posso. Você acredita, de coração, que ser sexy e sedutora seja coisa que se ensine num passo-a-passo? Nem tudo na vida é pedagógico.

Certa vez, uma amiga se apiedou da minha primeira dúvida enquanto tomávamos um chá – eu lembro, era de capim-santo – e revelou: “É para pegar as ideias. Depois a gente vai atrás dos similares”. A dúvida só cresceu. Para quê mesmo a gente precisa pegar essas ideias? Não dá para termos as nossas? E se o original não dá, para que desejar o parecido, o quase igual? “A gente é imitador por natureza”, devolveu a amiga. E eu fechei o bico.

Então é assim, querida editora. A gente pega emprestada a sua ideia. Que não é sua, pois você emprestou de alguém. Que, por sua vez, não é o dono da ideia, e também emprestou de outro. E a gente vai pegando ideias emprestadas e se ajeitando cada vez mais nos balaios, um dentro do outro, formando o grande balaio-mãe das ideias comuns.

Querida editora, que graça isso tem?

Não é que eu desgoste totalmente da sua revista. Até gosto. Sou consumidora, afinal das contas. Mas a compra quase imaginária e a estética equalizada das suas páginas não deixam a vida meio sem sal?

Como eu lhe disse, houve um tempo em que eu até ficava triste quando via a sua revista. Mas hoje eu já sei de algumas coisas. Por exemplo, que aquela boneca não falava de verdade coisa nenhuma, querida editora.

Um abraço,

25 comentários em “Carta para a Editora

  1. Perfeito!
    Amei o texto, muito bom, pudera eu me expressar como a senhora!

    Silmara Franco depois dessa carta se tornou a LFT da Camila. hahaha

    Abraços

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  2. Silmara, adorei seu post… Realmente a moda apontada nas revistas é para poucas, fico indignada como você.
    Outra coisa que perdeu o sentido para mim, são as fotos das modelos belíssimas, pois em tempos de Fotoshop, até eu posso ser capa de qualquer coisa.
    Conquistaste mais uma admiradora dos seus textos.
    Um beijo da Sô.

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  3. Mas olhe, lindos escritos como sempre. Parece um dedo esticado de prosa. Eu por mim, ainda que me seduzo com os produtos da Dona Editora, até compro as publicações da Dona Editora, até compro umas coisas que aparecem na vitrina de papel da Dona Editora, mas porque gosto e porque é bom se fazer o sonho sair da vitrina de papel. Mas gosto mais ainda de costurar e tricotar meus sonhos.

    Bisous, ma belle.

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  4. Silmara, faz pouco tempo que leio o teu blog, e o pouco que li, já posso dizer que os textos são ótimos. Parabéns!!!
    Faz algum tempo que venho analisando as revistas de moda de forma parecida como colocaste no texto. A forma de como apresentam tais valores de produtos chega a ser engraçada, tamanha a disparidade que existe no nosso país. Enquanto uns compram uma peça, outros não chegam nem perto de ganhar o mesmo valor no mês!
    Também não entendo muito o “must have”. Desde quando deveremos ter algo. Para ficarmos todos iguais?
    Continue com textos ótimos, sempre que eu puder passarei aqui.
    Bjs,
    Kelly

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  5. Mas aqui em off… A culpa é mesmo da editora? hahaha Ou é povão que adora seguir uma tendência, pra qualquer que seja o lado que ela leve? Eu tenho que dar uma aliviada no lado da Dona editora, pq escrevi sobre isso no meu blog. Bem, não sobre isso, porque nem de longe escrevo bem como você! hahaha
    Ah, acho o máximo que você sempre responde os comentários por e-mail! Mas olha, eu to vendo que vc ta recebendo muuuuuuitos comentários por dia, então não esquenta em responder esse não, tá? Eu te leio com o maior prazer e comento porque é impossível não dizer nem que seja uma coisinha sobre o que você escreveu!
    beeeeeeeeeeeeijos :**

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  6. Olá Silmara,

    Acho que quando começamos a questionar se agimos assim ou assado porque queremos ou porque nos é “sugerido”, é o começo do amadurecimento. A ditadura da beleza e, pior, a imagem projetada por essas revistas, tão longe da realidade, são o fim da picada.

    O que é curioso é que as crianças são criativas quando pequenas, gostam de coisas diferentes, mas os adolescentes querem ser iguaizinhos ao resto da turma, abominam qualquer coisa que os faça diferentes. Ainda que façam parte de uma “tribo” para contestar a maioria, querem ser iguais aos outros da tribo, unir-se em uma identidade comum, talvez para evitar conhecer a própria identidade.

    Amadurecer deve ser voltar a ter a originalidade e o espírito criativo da infância, não?

    Adorei seu artigo; um grande abraço!

    Cristine

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  7. Oi Silmara!

    Me identifico muito com a sua sensibilidade e com sua forma de escrever!
    Vc tem talento!!! Já já vai se tornar uma escritora famosa!
    Beijos no coração

    Nara

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  8. Autenticidade é bom por isso: vc faz as próprias escolhas, e não há nenhum peso nisso, muito pelo contrário. Não ser escrava da moda, de nada nem de ninguém, proporciona uma liberdade que poucas mulheres tem. Graças à Deus sou uma delas 😉

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  9. Bom dia flor!
    Nada como começar o dia lendo um texto seu!
    Até me lembrei de uma amiga que um tempo atrás, estava “meio que surtando” e o terapeuta pediu pra ela parar com atividades mais espiritualizadas ou mais “aéreas” (yoga, tai chi, meditação, ler revistas do gênero, etc) e recomendou que ela fizesse atividades aterradoras: correr, musculação, ler revistas de moda, etc. Então ela começou a fazer spinner, fazer natação, ler “essas revistas”. Nem preciso te falar o que aconteceu…
    Essa vida é muito louca!

    Mas é muito legal essa sua observação sobre o consumo, é por isso que eu sempre gostei de brechó e até resolvi montar o meu. Ontem passei o dia dando uma geral no meu brechó, arrumando um monte de peças que amigas me deixaram pra vender – lavando-deixando cheirosa, passando, tirando bolinhas, costurando um descosturadinho ali, colocando um botãozinho aqui – daí eu penduro no cabide e parece que a roupa, umas até antigas “fora de moda”, ganhou vida. Pode ser de novo objeto de desejo, está pronta pra morar com outra pessoa por um preço muito menor do que a primeira pagou e as duas pesoas ficam satifeitas – não é legal!

    Bijim e Om Shanti

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  10. Silmara…não resisto em compartilhar suas palavras com mais e mais pessoas.

    Como coloquei no meu blog hj, ” você mostra que sabe ler, e escrever os mais profundos sentimentos da alma feminina. Isso é pra poucas. Você sabe demais.”

    Um beijo grande!

    Ahh, e pra editora da revista, 😛
    rsr.

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  11. Ah, além do dinheiro que as leitoras não possuem, para acompanhar a ditadura da moda, falta também a coragem de dizer “não gostei, não uso isso nem a pau!”

    É como se fosse obrigatório achar bonito só porque está na moda, mesmo que você não use, precisa concordar com o que dizem as revistas.
    Me deixe com meu estilo despojado e absolutamente independente das opiniões das “especialistas em moda”!

    Um beijo, e parabéns pela boa colocação das idéias em palavras!

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  12. Sil,

    Adorei!
    Também fico de cara toda vez que dou uma olhada em uma revista de moda que compro mensalmente. É sempre o mesmo questionamento, quem compra isso??
    Outro dia conversando com uma amiga, ela me contou que havia comprado uma bolsa de quase CINCO MIL REAIS!!! Quase caí dura! Bom, tudo bem já ela trabalha e ganha seu o din din. O mais impressionante é que a faxineira dela aumentou o valor da faxina em R$5,00 por conta da passagem que aumentou aqui no DF e essa minha amiga deu um faniquito, resmungou até dizer chega. E o pior é que teve a coragem, depois de contar do feito da bolsa, que daqui uns dias não vai poder ter faxina uma vez por semana por conta do absurdo da passagem! Pode isso? Pra vc isso tem sentido?
    Há muito disso em nosso Brasil de meu Deus! Há quem tenha dinheiro para comprar mimos de três, quase quatro, dígitos mas não tem coragem de pagar melhor para a própria secreta do lar.
    Fantástico sua crônica de hoje.
    beijos da fã
    Pati Sato

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  13. Querida Silmara, “jajaja” significa “rsrsrsrsrs” para conversas online, em espanhol. É que decidi levar à sério o meu curso e achei um bom motivo para por o aprendizado em prática. Muito “jajaja” para este texto. A-do-rei! Pra variar! Um domingo bom pra você. Jajaja!

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  14. Silmara: obrigada por traduzir em palavras, tão bem colocadas, o que se passa pela nossa cabeça, vez em quando, mas que não temos a competência necessária para fazê-lo.
    Não serei hipócrita em dizer que não vejo, que não acompanho a “dona editora”, mas por vezes me assusto com os valores, reais e imaginários, atribuídos às coisas! Mais triste, constato que algumas mulheres acabam por se deixar conduzir por tendências e não imprimem personalidade ao que usam. Viram modelos em série.
    Interessante é a forma como, dizendo-se modernas( e, para que sejamos também, precisamos atender aos apelos, do contrário, estamos “por fora”!), empurram conceitos mágicos de controle de tudo: regras para ser uma mulher antenada, regras para ser atraente, regras para ser inteligente…Como se, aplicando-se todas essas orientações, fôssemos virar as mulheres ideais… E o somos?!…

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  15. Cumadra.

    Tão nascendo mais fios e fias da Dona Meada. Quando o primeiro fio dela nasceu, mirradinho, quem conhecia, já desvendava que era um fio dos mais diferentes.

    Eles eram do norte. E a, hoje, Dona Meada teve poucos dias de menina, cedo, foram de mulher.

    Inda novinha, mirradinha também, mas retesada de músculos, secos, tendões saltados nos braços finos, – que o sangue de mãe aparece nos fios – a Meadinha, como tinha uns que ainda a chamavam, abria os olhos antes do dia.

    Sentia o cheiro da lenha de ontem, tirava o lençol fininho das pernas finas, sentava um bocadinho e se deixava despertando os olhos. Um por um. Hora do dia novo pra cuidar da casa olhava em volta.

    Lia a casa de paredes de barro, pois que não ler sabia. As figuras das coisas, nem desconfiava. O papel das revistas cheias de cores, quando chegavam embrulhando a pouca farinha, já vinham amassado dum jeito que nem ver se podia.

    E era tanta coisa que fazia, que dava gosto do ouvir o som da vassoura na mão pequena que varria… Sem poeira, a cadência pela terra fina ia tirando pra fora o resto do chão do dia passado.

    Fazia chic… chic…chic…

    Na alegria do “fazer”, a alegria da Meadinha, qual um baião de festa, ia espalhando mais beleza pelo chão. No finzinho da tarde, se olhava no fundo da panela servindo de espelho pra ver se estava limpinha também.

    Já de hoje, aquela que era só a Meadinha, fia da Cristalina que trabalhava na enxada, um dia, de tantos fios bons e fortes que pariu, agora é a Dona Meada, a mãe de novos e muitos fios e fias do Brasil.

    Cumpadro Beto

    (no dia em que descobriu de onde veio esse fio e se desculpando por se intrometer tanto.)

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