As meninas superpoderosas

ForUrEyeZOnly/Flickr.com

Esqueça a Docinho, a Florzinha e a Lindinha. Tem menina de carne e osso que é superpoderosa e não sabe. Há muitas delas, e por toda parte. Elas não moram em Townsville, como no desenho da TV, mas em cidades de verdade. Na sua, por exemplo.

Essas meninas costumam ter seus superpoderes desenvolvidos ainda no ventre de suas mães. O poder original, iniciático, que lhes garante a super-resistência à rejeição, ao desamor, às tentativas de se livrar delas.

Meninas superpoderosas podem nascer em lares despedaçados, e mesmo assim se encantar com histórias de amor, príncipes e princesas, e sonhar serenamente com a sua vez. É o superpoder da esperança.

Pensem nas meninas que vendem seus cacarecos e seus chicletes nos semáforos, sob os olhos vigilantes de alguém bem mais velho na outra esquina. Além do evidente superpoder da invisibilidade, elas têm o da invulnerabilidade, que as protege dos acidentes. Elas também contam com o poder da não-indignação diante do constante, aceitável e familiar fechar dos vidros elétricos à sua frente.

Meninas superpoderosas têm o poder de sobreviver sem o mínimo de alimento, como se nutridas por alguma espécie de energia ou prece. E, mesmo assim, ainda conservam no olhar um brilho que não sabemos de onde vem.

Na outra ponta, longe do superpoder da imortalidade, estão as meninas que morrem de segunda a segunda e não ganham uma linha sequer no noticiário. O superpoder, neste caso, é justamente o de não nos causar comoção alguma.

Agora me diz: quem é que gostaria de ter superpoderes assim?

Meninas superpoderosas de verdade costumam viver a falta de amor-próprio e o excesso de amor aos outros, numa conta que não fecha nunca. Terminam por apresentar ao mundo seus bebês indesejados, repetindo e eternizando o ciclo de suas próprias origens. Essas meninas têm o superpoder de criá-los sozinhas, encerrando de vez e prematuramente suas infâncias já mal vividas. Precisam dar conta de um filho, quando ainda são tão filhas. São meninas que abrem mão de sua juventude em nome do pai e do filho. E talvez do espírito santo.

Meninas superpoderosas desafiam, além da gravidade, o descaso e a incredulidade, e promovem verdadeiros espetáculos em solos olímpicos. Há ainda as meninas com o raro superpoder de conquistar lugares nas universidades públicas, porque ultrapassam, em inteligência e raciocínio, os superpoderes financiados das outras meninas.

Pensando bem, ao menos numa coisa as meninas superpoderosas de carne e osso se parecem com as personagens do desenho animado. Ou a gente as assiste. Ou muda de canal.

21 comentários em “As meninas superpoderosas

  1. Belissimo,como muitos disseram : Tenho que dar mais valor.
    E a insonia me trouxe aqui novamente,ao menos estou fazendo algo que preste =)
    Então Silmara,corrigi o e-mail,tinha esquecido que mudei do mesmo antes =)
    Eu acho que existes varias meninas superpoderosas na minha vida,ao redor,porém acho que ainda não as percebi,ou já…?

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  2. O texto que faz a gente aprender de uma vez por todas a dar valor ao que temos. Ai ai, como eu sou ingrata. E como dói 😦

    Um dia você me ensina a escrever assim, Sil?

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  3. Que delícia de blog! Adorei seus textos, todos de uma sensibilidade linda. Que tal criar um combo de boas leituras na net? Parabéns! Voltarei sempre para ler! Beijos!

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  4. Oi Silmara,

    Conheci o Fio da Meada no seu antepenúltimo post (citado na twittosfera como “definitivo texto” – bem, pelo menos até esse último fim de semana) sobre o #ligerieday (aliás, cadê você no twitter?).

    E que prazer voltar hoje e encontrar mais um belo texto, agora sobre as meninas superpoderosas de cada dia. Meninas que podem não brilhar em solos olímpicos, nem mesmo conquistar um cada vez menos valorizado canudo universitário, mas que desafiam a “lei de Gerson”, a “lei do malandro”, “a lei do mais forte” e tantas outras leis forjadas na sociedade do espetáculo e da menos valia, e se tornam mulheres, mães, trabalhadoras, cidadãs… enfim. Assisti-las – sem assistencialismo, mas com um modelo sustentável de desenvolvimento humano e de cidadania – é, sim, o único canal possível para quem ainda tem esperança no coletivo e na vida que será gerada por elas.

    Um abraço e parabéns pelo blog!

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  5. Sem desmerecer as que, mesmo tido sua inteligência e educação “financiada”, têm seus superpoderes para se livrar do preconceito de loira burra; filhinha de papai; etc etc etc

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  6. Existe realmemnte vários tipos de meninas superpoderosas e a Silmara Franco se enquadra nas qpelo poder da palavra fazendo os leitores levitarem e cairem em questionamentos de vários temas interessantes e sensíveis da vida. Parabéns menina estamos aprendendo com você.

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  7. Realmente a meninas super poderosas em todos os lugares, nem precisamos de muita atenção para vê-las, é so olhar para frente…
    ISso doiiiiiiiiii, e nem é la no fundo, é na pele.

    bjokas fofas pra vc mocinha linda

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  8. É verdade… e além dessas que você falou, tem as meninas superpoderosas que vivem sendo “mortas” emocionalmente, com ataques diários à sua autoestima, à sua autoconfiança… e graças aos superpoderes conseguem chegar a ser verdadeiras heroínas da sobrevivência.

    Beijo!

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  9. Ahh Si, minha filha Laura é uma menina super poderosa.

    Ela diz que eu que sou, ou era, quando menina, eu era mt pequena, magrelinha, tinha a cabeca grande que pareceia maior que o corpo, Laura adora me chamar assim, menina super poderosa!
    🙂

    por isso meus desenhos sao sempre de menininhas de cabecao,rsrsrs
    mas o fato é que todas temos super poderes…

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  10. Oi! Por acaso achei seu blog. Fiquei presa, fascinada. Há tempos algo na net não me trazia essa sensação antiga, a mesma que eu tinha quando lia Lygia fagundes Telles, autora que me ensinou a amar contos. E por acaso eu vi que vc tmbm é fã dela. Ah! Os lugares que o acaso me levou…

    Abraços.
    Estarei sempre aqui.

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  11. Sil,
    Lembrei demais do texo do Daury César Fabriz, o nome é Cidadania, Democracia e Acesso à justiça. Fala de cidadania comprada, ou seja, temos que pagar por ela. Enfim, sober o cidadão que ignoramos na rua. Porque fica muito mais fácil ignorar… Beijos no core.

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  12. boa tarde, Silmara!
    Você também é uma menina superpoderosa.
    tem o poder de nos prender com seus textos, sempre tão bem escritos.

    firmo desde já que seu superpoder é um charme!
    e ainda vai me encantar por muito e muito tempo!

    grande abraço!

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  13. Gente, mas eu cheguei tarde aqui…
    Fiz exatamente como a colega acima, Denise: minha insônia, hoje, teve um gosto bom de achar identificações, blog bom demais…
    Li tudo, e já favoritei!
    Bjo,
    Louise

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  14. Oi Silmara! De novo por aqui… virei fã!

    Acho que existe tb. um outro tipo de menina superpoderosa… É aquela que, com sua visão de raio X e sua super-sensibilidade, consegue não só “sentir” a realidade dessas meninas mas também consegue materializá-la num brilhante texto.
    Parabéns!

    Bjs da Nara

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