Os amigos do papa

David Yerga, acrílico s/tela, Flickr.com

Hoje vi uma fotografia do Bento XVI. Não tenho intimidade com o papa. Mas olhei seus cabelos brancos tão penteados e notei seu olhar, estranhamente não-angelical. Matutei, enquanto apanhava uma maçã na fruteira da cozinha. Maçã gorda, suculenta.

Como é a vida do papa, além da eterna rezação? Será que ele gostaria de sair do Vaticano sozinho, ir a uma padaria e tomar um café, sem ter que abençoar meio mundo pelo caminho? O papa torce para algum time? E se o time dele vai para a final, no grande dia ele põe a camiseta por baixo da túnica, troca a mitra pelo boné e grita gol? Será que o papa xinga quando bate o dedinho do pé na quina da parede? Porque isso acontece com todo mundo, não vá dizer que com pontífices é diferente.

Será que o papa morre de vontade de sentar em frente ao mar, só de calção? Papas parecem ser feitos apenas de cabeça e mãos – as mãos que acenam para todos e para ninguém –, com longas e amplas vestes a encobrir o nada que as une. Como serão seus pés?

O que tenta o papa no pecado da gula? Um bom espaguete, eu arriscaria. Daqueles com bastante molho, com direito a passar o pãozinho no que sobrou depois. Iguais aos que minha mãe fazia. Papas lambem os dedos?

Saberá o papa todos os segredos que a igreja católica guarda a sete chaves? Os mistérios de Fátima, as verdades sobre outros planetas, as revelações sobre o final dos tempos. Se sabe, será que se assombra?

E amigos, o papa tem? Desses que a gente telefona quando a tristeza vem. Dos de conversar por horas e, em pouco tempo, já se sentir melhor. Quem é que dá colo ao papa, se ele precisar? E ele deve, vez por outra, como qualquer um. Para quem o papa liga quando quer prosear? Quem ele chama para um chá, não por protocolo, mas por saudade?

Para quem o papa dá seu primeiro bom dia, todo dia? Para o amigo mudo na cruz, que não pode lhe dar um abraço?

Será que o papa já teve um grande amor? Terá sonhado com casa avarandada, filhos, cachorro, férias de verão nas montanhas?

Será que o papa deseja, de vez em quando, ser apenas um anônimo na multidão, para ir ao cinema sossegado?

Quais músicas será que o papa gosta, além da Ave-Maria? Será que ouve, secretamente, Rolling Stones? Terá ouvido Tom Jobim? Que, cá entre nós, tem o efeito de uma oração.

Última mordida na maçã. Seu bagaço, amarelado, é a prova da missão cumprida do fruto. Sou apanhada pela dúvida entre pensar se a figura mítica do nosso imaginário é aquela que enxergo na fotografia, ou se é tão-somente um personagem construído, assim como o Homem-Aranha, a Branca de Neve. E estes, noves fora as fábulas que os envolvem, ao que tudo indica, tiveram seus amigos.

4 comentários em “Os amigos do papa

  1. Silmara

    O Papa, era POP, e não pouvava ninguém…. não nos poupava de seu olhar terno, de suas mãos trêmulas nas bênçãos firmes, não nos poupava de suas perces. Não poupou o perdão à quem tentou lhe tirar a vida. Não poupou a tolerância aos que não acreditavam e também não pupou sua saúde, missão que abraçou.
    Este. Parece tão diferente. Conheço muito pouco dele. Mas temo o que ele não poupará.

    Beijinho feliz, Josi

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  2. Silmara, adorei !!! Muito bom mesmo. Também me pego muitas vezes com essas dúvidas, não sobre o papa (pelo menos não até agora… rsrsrsrs), mas sobre outras personalidades que viraram “figuras intocáveis”, quase que santos… artistas, gente que ganha muuuita grana e não sabe nem o que fazer com ela. Ou então ganha tanta grana que desperta a cobiça de todos e não pode confiar nunca em ninguém.
    É, querida. Vc escreve bem demais e põe a gente pra pensar numas coisas que nunca haviam passado pela cabeça.
    Agora tenho diversão até a hora que o sono chegar… vou pensar no papa !!! Beijos e depois me visita lá no fufuquices, tem muito post legal.

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  3. Oi Silmara! Que saudades! Já havia lido esse post e no dia ainda não havia comentário. Pensei em comentar, mas deixei pra lá. Voltei! 🙂 Eu acho que a palavra é: “inacessibilidade”. Quando não temos acesso a alguém o nosso imaginário aflora. Não vamos muito longe, ok. Eu, algumas vezes, me pego pensando na Cris Guerra e em você. Sou “seguidora” e fã confessa das duas, mas não tenho acesso. Algumas vezes já me peguei imaginando como é a vida de vocês no dia a dia . Se choram, se riem, se amam e tantas outras coisas mais além do que nos permitem saber via os respectivos blogs famosos. 🙂 Acho muito engraçado sentir e pensar nisso! (me perdoe a confissão) Mas quero crer que vocês (e o Papa), na intimidade da essência de cada um, sejam seres comuns, as vezes felizes, as vezes tristes. Mas muito mais felizes do que tristes.

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  4. Será que o papa ainda guarda resquícios humanos?
    Será que ainda sabe o que é amor, desejo e será que ainda sente hedonismo?
    estaria eu sendo profano ao declarar isso?

    mas bem, aos meus olhos isso tampouco importa, tendo em vista que sou ateu.

    novamente, seu texto me prendeu, Silmara.
    Grandes palavras as suas.

    e o uso da maçã – a fruta do pecado, de acordo com a bíblia – me deu mais encantamento ao que escreveu.

    Grande abraço!

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