A Tristeza é feia e quer casar

Foto: Pink Sherbet

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Tristeza: [Do lat. tristitia.] S.f. 1. Qualidade ou estado de triste. 2. Falta de alegria. 3. Pena, desalento, consternação. 4. Aspecto revelador de mágoa ou aflição.

A tristeza, isso a gente sabe, também é quando o olhar desbota, a voz perde a força, o andar fica pesado e impossível. É quando a cabeça não tem fome de nada, saciada no silêncio. Ou ainda, quando o rio que corre dentro da alma transborda e é preciso escoar de algum jeito. O jeito? Chorar feito bebê.

A tristeza, na verdade, é uma moça. Não muito bonita. Um pouco feia. Tem cabelos longuíssimos e sem vida, que cresceram sem que ela percebesse. Há anos estão penteados do mesmo jeito. Sua roupa é bem feita, mas não tem cor. As mãos são mornas, de poucos movimentos e sempre vagarosos. Finos e magros, seus pés cabem em qualquer sapato de qualquer tamanho. Sua boca é lilás, como a boca dos mortos. Fala pouco, e quando o faz as palavras já saem vaporizadas, flutuando no ar antes de caírem ao chão, dissolvidas em seus significados.

Apesar disso, a Tristeza mora em uma casa acolhedora, com perfume de baunilha e cortinas rendadas da cor do âmbar. Há sempre música no ar. Na entrada, um daqueles tapetinhos escrito “bem-vindo”, próximo à porta com uma guirlanda em formato de coração. Ela sabe que receber bem é importante, assim as pessoas ficam mais um pouco.

A Tristeza tem muitos amigos. Mas ela vive, veja só, triste. Porque eles só a visitam quando as coisas não vão bem, e partem assim que se sentem melhor. O que não faz dela uma moça solitária. A Tristeza tem sempre companhia.

A Tristeza, moça meio sem graça, tem um desejo. A Tristeza quer casar. Quer encontrar um amor, ter muitos filhos. E, no fundo, ela torce para que não sejam parecidos com ela. Porque a Tristeza precisa da alegria à sua volta, assim o mundo vale a pena. Talvez seja como diz aquela canção: “A tristeza tem sempre uma esperança, de um dia não ser mais triste, não”.

Tristeza e eu nos encontramos de vez em quando. A última foi quando Léo se foi. Fui tomar chá de capim-cidreira em sua casa, ela me pegou no colo enquanto eu chorava (feito bebê). Léo, em toda sua doçura, por certo já havia se encontrado com Tristeza naqueles dias, sabendo que não descansaria mais sob a sua jabuticabeira. Os gatos sabem a sua hora.

Mas a Tristeza quer casar. Quer encontrar alguém que desalinhe seus cabelos e a faça falar pelos cotovelos. Que a convide para morar numa casa nova, cheia de gatos e cachorros e uma jabuticabeira. Ela se mudará, e não deixará o novo endereço para ninguém. Apenas um recado na porta da velha casa, no lugar da guirlanda de coração: “A Tristeza não mora mais aqui”.

17 comentários em “A Tristeza é feia e quer casar

  1. Sil,

    Mais um texto seu que eu amei: simples, puro, direto, condizente com nossa realidade mais profunda. Obrigada por compartilhar conosco seus sentimentos e pensamentos através deste dom maravilhoso que tens de escrever. Que privilégio te conhecer e poder estreitar nosso contato neste ano.
    Abraços de sua fã. (sem ser piegas)

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  2. Sil, não me canso de ler esse texto….Envio sempre aos meus amigos, e posto no facebook….Infelizmente, temos sempre algum amigo triste em algum momento da vida….bjs

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  3. Sil, td bem ?!
    Seus textos são lindos, e esse da Tristeza é muito muito muito bom; parabéns ! Vc é ótima !!! Ter seu blog entre meus favoritos é ótimo !!!! Um super beijo…

    Elen (Mãe do Fe e da Mari)

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  4. Si querida, conheco bem essa mocinha triste e feinha, ela foi minha companheira por longos anos… e era casada com muitos, e todos moravam na mesma casa, que até tinha o tapetinho de bem vindo, mas a tristeza era danada pra se esconder entre os quartos… era casada com a brutalidade, com a insipidez, com a mal educacao, com a falta de respeito, com a ignorancia, com a grosseria, com o falar alto, com agressão psicológica, com o medo, com o trauma, com mts ela era casada…

    queria se separar, mas até acontecer isso, precisou de um bom tempo,até que ela se reencontrasse. Hoje, ela passa longe daqui, mt longe… de vez em quando surge, mas é tao rapida nas suas visitas, dura cerca de meia hora, e vai embora, gracas a Deus 🙂

    Um beijo, menina escritora! Lindo lindo texto… como sempre.

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  5. Ah, Silmara o texto é tão lindo que eu linkei lá no blog.
    Vou passar por aqui sempre, já sou sua fã.
    Muito delicado seu texto, tão lindo, tão verdadeiro. Impressionante.
    beijos pra você

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  6. Oi Silmara!
    Muito lindo o texto!
    Começei a ler ontem, aí chegou visita e fiquei com aquele gostinho de quero mais… querendo sabrer como terminava a historinha da Tristeza, então hoje bem cedinho eu já tava aqui, degustando cada letrinha e saboreano um chazinho na casa da Tristeza.

    Vista com olhos serenos, ela até parece ser bela. Seus longos cabelos sem vida, amarrei-os numa longa trança e prendi-os com flores de jasmim. Nos lábio um batom rosinha, bem clarinho e no corpo um singelo vestido de voil. Os pés descalços, uma tornozeleira de prata com um caraçãozinho. Á sua voz, dei novo tom, canta baixinho uma ode ao amor. Aos gestos vagarosos, um novo ritmo ao colher flores no jadim.
    Minha tristeza já não é tão triste assim. O rio que corre dentro, segue manso entre pedras roliças, com um leve murmurar. Têm as margens verdes e férteis onde nascem avencas e copos de leite entre chorões frondosos debruçados ao caminho das águas.
    Minha tristeza vai casar. Encontrou um pretendente arrebatador. Vai casar com o Destino. Moço fino e educado, filho do Tempo e da Esperança. Mas ela nem sonha o futuro que terá. Somente ele saberá. Pois mesmo casada e feliz, entregue aos braços do Destino, minha tristeza não me abandonará, apenas mudará de ares, apenas mudará meus ares, para um sentimento mais contido, feito de lembranças nebulosas das tristezas que vivi.
    Com ela muito aprendi. Então, posso visitá-la algum dia, relembrando o passado, com saudades de alguém ou de algum lugar. Ela me dirá coisas belas, e voltaei com o corações apertadinho mas cheio de carinho, pois tudo valeu a pena, em tudo cresci um pouquinho, em cada lágrima salgada, o sal da vida. E a Tristeza, ficará realizada, pois na sua essência ela sabe que é vital para dar sentido á nossa felicidade.

    Um beijinho Silmara
    e até mais.
    Josi

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  7. Sil (permita-me a intimidade afetiva), hoje de manhã eu estava curtindo preguiça no sofá e uma amiga me ligou dizendo que precisava conversar. Tristeza no ar. Pus o jeans (e otras cositas más) rapidinho e fui tomar café com ela numa padaria. Conversamos, conversamos e ela me disse que eu ajudei muito. Chegando em casa, vim te visitar e fiquei com a sensação de que bastaria eu enviar uma cópia dessa lindeza de texto para ela. Paz e bem para você. Meu beijo.

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