Carta para Roberto

Renato Subtil/Flickr.com

Caro Roberto

Você nem imagina o que eu vou lhe contar. Mas foi com você que aprendi: de vez em quando, somos é muito idiotas. Digo ‘aprendi’ mas, na verdade, o processo foi outro. Mais próximo de sacar, de dar-se conta, do que de aprender propriamente dito. Você entenderá, eu sei.

Primeiro, é preciso lembrá-lo: nós nos conhecemos. Mesmo que você, assim de prontidão, não se recorde.

Foi assim: há alguns anos, um trio, o Hot Jazz Club, lhe chamou a atenção. Os rapazes eram tão bons que você não resistiu ao som deles. A história deles começara em um restaurante de uma rede de hotéis aqui em Campinas. Em 2004 eles gravaram seu primeiro, único e ótimo CD, que trazia uma faixa assinada por você – “Pruzé”. Foi durante o lançamento do CD, no resort da rede, onde eu trabalhava, que nos conhecemos. E digo: foi um prazer. Não é todo dia que a gente conhece um dos inventores do mais importante movimento da música brasileira.

Cinco anos se passaram, e até hoje sinto uma pena danada de não ter tido a coragem de quebrar um pouco os protocolos e abusado de você naquele dia. Mesmo sem idade para ter tanta saudade, mas fã confessa da época mais cheia de bossa que este país já teve, eu seria capaz de ouvi-lo por horas contando as histórias da Copacabana dos anos 50, dos lendários encontros no apartamento da Nara Leão, do barquinho que deslizava no macio azul do mar carioca. Mas a etiqueta corporativa não permitiria o que poderia parecer tietagem pura, e eu tive de me contentar com o básico. Fazer o quê.

Mas olhe só: foi em meio ao básico que me dei conta da coisa de ser idiota. Paradoxalmente, sem absolutamente nada a ver com música. Enquanto você, eu e mais algumas pessoas almoçávamos, você comentara que, em alguns dias, embarcaria para a Europa, onde se apresentaria num festival. Curiosa, eu lhe perguntei que festival era, e você respondeu assim: “Não sei. Me chamaram para tocar, e eu vou”.

Sempre lanço mão dessa história, emblemática e repleta de significados, para ilustrar o que acabei extraindo dela. A ideia de você não saber direito aonde iria tocar, mas iria porque seu negócio é tocar, soou fantástica, para dizer o mínimo. Sua resposta, suave e sofisticada assim como a bossa-nova, deu a dica (embora certamente não tenha sido sua intenção): preocupar-se demais em saber e conhecer tudo o que nos rodeia, o tempo todo, pode ser paralisante. Tanto quanto querer o roteiro das coisas do início ao fim, saber muito da vida, compreender tudo que existe… Não pode haver tanto benefício na informação total. Quem vive assim, no final das contas, passa a vida com medo, se poupando, sem ousar, sem arriscar, sem tentar. Sem pagar para ver.

Posso estar exagerando o episódio. É claro que em algum momento que antecedeu aquela sua viagem as informações sobre o tal festival lhe interessaram. Porém, talvez mais pela logística que por outra coisa. E este seria o segredo.

Tanto fazia o nome do festival, ou quem estaria lá. Isso não era o mais relevante. O relevante, de fato, era que você iria tocar, e isso já era motivação suficiente para um músico. Assim como para um bailarino o que conta é dançar. Para um cantor, cantar. Para um escritor, escrever. Para um costureiro, costurar. Para um cozinheiro, cozinhar. Para um desenhista, desenhar. Para um pedreiro, construir. Às vezes, as perguntinhas ‘como’, ‘porque’, ‘onde’, ‘a que horas’, ‘com quem’ viram coadjuvantes na compreensão de algo que é mais simples do que se pinta.

Não falei? Você nem imaginava que eu lhe diria isso.

Um abraço, Menescal.

(Parece que isso vive acontecendo com ele. Ele respondeu, contando que no ano passado foi a Sydney, na Austrália. E, como em 2004, só lá ficou sabendo onde tocaria. Nada menos que na Opera House.)

3 comentários em “Carta para Roberto

  1. Essas situacoes sao engracadas mesmo, qd a gente se depara com um ídolo, alguem que fez alguma coisa importante, algo legal, que a gente admira, né? a gente fica meio sem saber o que fazer, o que falar: xii ele vai achar que sou daquelas bobocas, que ficam suspirando por ele… ai se a gente nao faz nada, depois se arrepende: como fui boba, o cara é normal tava lá dando sopa e eu com minhas bonagens…

    ja aconteceu comigo algo assim, o Pedro Martinelli, que é um fotógrafo que eu adoro foi la na nossa empresa, e eu ficava olhando, olhando que, barato,ele aqui!!! ai eu falei mesmo: putz, sou sua fã.. e falei de uns livros seus de fotografias, feitos na minha terra, ele disse: puxa, vc me conhece mesmo, tem mt gente que fala comigo mas nao conhece meu trabalho… fiquei toda contente e ainda fizemos uma foto juntos! desde entao, parei de ser bobinha e agora “ataco” mesmo 🙂

    um beijo Si!

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