A alma do negócio

coracao3

Está na plaquinha. Uma plaquinha tosca, escrita à mão com uma letra bem feia. Pendurada de qualquer jeito, num poste de um cruzamento qualquer, um arame aqui, outro ali. Contrariando todas as regras da boa propaganda.

Amarração para o amor
Trago a pessoa amada em até 21 dias
Pagamento após resultado

Mas não é que a plaquinha ordinária dá conta do recado?  Porque o sinal abre, alcanço o celular e ligo.

– Quer dizer que eu só pago depois que ‘tudo’ der certo?

A resposta, animada, vem rápido: É isso mesmo.

Penso. Então isso é melhor que satisfação garantida ou seu dinheiro de volta. Porque nem precisa pagar agora, e talvez nem precise pagar depois.

– E os vinte e um dias?

Na ponta da língua: É o tempo médio que leva para acontecer, entendeu?

– Ah, entendi.

Encosto o carro. Pergunto como funciona. Varia de acordo com o caso, entendeu?

– Não, não entendi.

Do lado de lá, o homem tosse, Esse tempo seco mata a gente. Posso imaginá-lo, estava distraído e não esperava uma ligação comercial agora, apanha o caderno na gaveta e procura uma caneta. Continua, ligeiramente solícito: Eu primeiro avalio a situação com o tarô. Aí eu vejo se a pessoa que você quer está na sua. Se estiver, fica mais fácil, é só dar um empurrãozinho.

– Empurrãozinho?

O homem explica: É, um trabalho de ‘energias’, uns banhos especiais, ervas, orações, sabe como é? Agora, se a pessoa não estiver na sua, dá um pouquinho mais de trabalho. Se tiver outra mulher na parada, fica bem mais complicado, pode demorar mais. É para você mesmo?

Sou pega surpresa. Não é, mas se eu disser que não, ele pensará que é do mesmo jeito.

– Mas e os vinte e um dias…?

Ele tranquiliza: Geralmente, não passa disso. E explica a coisa das três semanas, as luas.

– Ahn, entendi. E se não der certo, não pago nada?

Aí o homem fica sério. Mas aí você há de concordar que foi feito ‘todo um trabalho’… Então vai ficar a seu critério, você vai fazer o que a sua consciência mandar. A gente é responsável pelos nossos atos, sabe? O que a gente pode aproximar, também pode afastar. Para sempre. Essa pessoa que você quer, ou outra…

– Claro, claro. Um minutinho só – peço – é que estacionei em frente a uma garagem.

Libero a passagem. E compreendo. O bote vem depois. Se a pessoa não pagar, vai se ver com Deus. Ou com o Diabo. Ponho-me a pensar em quem procura, de verdade, algo assim para sua vida. Não seria mais simples e charmoso ir pelas vias normais? Mesmo que elas não deem garantia de nada, somente da nobreza da tentativa. O bom e velho jogo da conquista, da sedução, a espera infinita. Ir lá, resolver a parada com a pessoa amada. E saber perder, se for o caso. Afinal de contas, um amor ‘amarrado’ à força servirá para quê? Num belo dia, a pessoa faz as malas e vai embora. Até explica que não é culpa do outro, mas que simplesmente o amor acabou. Expirou. Porque talvez a ‘amarração’ tivesse prazo de validade. Hora de renovar.

Pensando bem, quantas amarrações não devem ser feitas por aí, e a gente nem se dá conta? Pensando mais ainda, de onde virá o desejo de querer as coisas do jeito que se julga ser o melhor? Melhor para quem, afinal? De onde virá a necessidade do controle absoluto sobre todas as coisas? A batalha diária contra o cabelo enrolado. A frustração porque faz calor. A raiva porque faz frio, ou porque o vizinho fica na dele e não quer papo com você, logo você, tão legal. O emprego que não deu certo, Mas eu tinha que ser escolhido. Não, não tinha. O emprego não era seu, era de outra pessoa. Simples assim.

O homem quer saber: E então? Já que estou na chuva, vou me molhar mais um pouquinho. Afinal, estou adiantada. Pergunto o que é preciso. Fico sabendo que tenho que dar os nomes completos e as datas de nascimento. Você tem e-mail? Se você tiver fotos, pode mandar, que facilita.

– Facilita?

Ele explica: É que eu gosto de ver para quem eu trabalho. Eu vejo se vocês dois combinam, se eu achar que vai ser difícil, falo na hora. Eu digo que vou pensar, agradeço, aquelas coisas.

– Agora preciso ir, senão me atraso, sabe?

Ele tenta mais um pouco: Você quer deixar seu telefone?

– Não, obrigada, preciso pensar um pouquinho.

Sinto-me engraçada por ter levado esse telefonema até o fim. Então está bem, se precisar, é só ligar de novo. Fique com Deus.

– Amém.

Chego pontualmente para minha reunião. Na pauta, a aprovação de um anúncio, com previsão de uma longa discussão: forma versus conteúdo. Ou simplesmente: layout e mensagem. E sobre isso, agora tenho história para contar. Peço para fechar um pouco as persianas, esse sol está de rachar.

5 comentários em “A alma do negócio

  1. Nossa Silmara, adorei seu blog, hoje foi minha primeira visita e já estou apaixonado por ele ..
    ”A gente é responsável pelos nossos atos”
    Belissimo conto.
    Teria algumas crônicas para me indicar?Tenho 14 anos.

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