Saí do supermercado, o celular apitou. Encostei meu carrinho entupido de compras e fui checar a mensagem da amiga. Antes que eu começasse a responder, o senhor de camisa preta puída e cabelos brancos desalinhados parou ao meu lado. Nas mãos, um papelzinho amarelo. “Pode ver pra mim, aqui embaixo?”, pediu, apontando o número no fim do extrato que, deduzi, acabara de tirar. Há um caixa eletrônico no primeiro andar.
– O saldo, quanto tá? – perguntou, apertando os olhos, sem olhar nos meus.
– Um real e vinte e cinco centavos, senhor – respondi.
– Um e vinte e cinco? – repetiu, para confirmar.
– Isso.
Agradeceu, conformado, e se foi. O titular da conta-corrente com saldo de um real e vinte e cinco centavos sumiu em meio aos carros. Sem me contar o resto da história, que, prontamente, inventei.
Esperava o pagamento de um serviço feito no mês passado, prometido sempre para o dia seguinte. Ajudante de pedreiro. Vi em suas mãos calejadas, quando me mostrou o papel.
Precisava acertar o pendura no mercadinho. A dona já andava irritada. Comprara arroz, feijão, óleo, o cigarro e a caninha, que ninguém é de ferro. Como é que ia saber que não receberia pelo trabalho e ficaria sem um puto? Ou: com um puto e vinte e cinco.
A luz? Vão cortar. O saldo no banco não era suficiente sequer para pagar a lâmpada acesa no quarto do casebre na madrugada passada, os olhos pregados na velha cortina de voil, pensando nos meninos dormindo amontoados na sala.
Nem mandara o dinheiro para a mãe, ainda. Ela que tenha paciência. Mães têm paciência. E ele tem um real e vinte e cinco na conta. Mais a Brasília verde-bandeira 1982, encostada na oficina do primo, “Vai ter que trocar o motor”.
À Brasília ele nunca foi. Terra de poderosos, sem problemas com extratos bancários.
Pedira ajuda (por que me escolheu, entre tantos fregueses?) para conferir o saldo na esperança de que tivesse visto errado, confundido a casa decimal, precisava mandar fazer os óculos. Em vez de um e vinte e cinco, cento e vinte e cinco reais. Quem sabe?
Empurrei, com estranho esforço, meu carrinho entupido de compras até o estacionamento. Tudo tão pesado, agora. As bolinhas de Nescau Cereal pareciam de chumbo. As maçãs, todas envenenadas. O que tenho feito com todos os meus reais?
Coloquei as compras no porta-malas. Fazia um dia bonito.
Para o homem, mais um dia sem dinheiro no quarto do casebre com cortina de voil e lâmpada acesa madrugada adentro, os meninos amontoados.
Mas domingo tem eleição pra presidente. Ele vai votar, ele acredita. Um dia, vão ajeitar esse país.