De bolsa nova

Ilustração: r8r

Foi Dia dos Pais e também ganhei presente. Eu, que sou mãe. Não que misturemos os papéis em casa; esses já são suficientemente bagunçados no arquivo da estante (levei horas para localizar uma conta de luz recente, pediram na renovação da carteira de habilitação). É que me ocorreu de também merecer um mimo no segundo domingo de agosto: sem mãe não há pai. Na véspera, o diabinho que se empoleira no meu ombro esquerdo e vive às turras com o pequeno anjo sobre o direito me cutucou, soprando um recado. Uma ordem. Disse ele: “Vá e compre aquela bolsa que você gostou”. Eu fui. E o anjinho chorou.

Tudo posso na bolsa que me fortalece. Com ela a tiracolo (e dividida no cartão), fico pronta para o mundo.

Pronta para aturar o deselegante motorista da outra pista que vê minha seta e acelera. Relevar a indelicadeza do médico do convênio, que se despede enquanto eu faço uma pergunta. Tem nada, não. Eu estou de bolsa nova.

Preparada para correr com o almoço, levar as crianças à escola, voar para a reunião em outra cidade e voltar a tempo de buscá-las. Tudo bem; eu vou de bolsa nova.

Forte para lidar com o intolerável, assistir na TV guerras civis não-declaradas, declarar guerra às empregadas domésticas, suportar a má-vontade da moça da padaria que se aborrece por ter de explicar do que são os salgados. Que que tem? Minha bolsa é linda e nova.

Uma bolsa-dos-desejos transmuta qualquer humor feminino. É munição para a batalha, proteção em meio à selva urbana, patuá da espécie. No icônico depositário de pertences e utilitários vai a alma d’uma mulher. Já uma bolsa novinha em folha – com todo respeito pelas anciãs guardadas no armário – é capaz de tudo isso com o frescor de uma manhã recém-nascida. Bolsa nova é pura bossa-nova mental.

Sim, eu agito bandeiras verdes e anticonsumistas. Reservo-me, porém, o direito a recaídas samsáricas. Posso ser mundana, só um pouquinho? Estou em dia com Deus. E ele me disse, em segredo, que dá para conciliar aspirações espirituais e desejos materiais. Gosto de pensar assim. Além de que, não contei. Antes da ordem final do diabinho, eu já havia adquirido pela manhã, na mesma loja, um par de sapatilhas que estava dando sopa.

Mundanice pouca é bobagem.

10 comentários em “De bolsa nova

    1. O meu inquisidor era o marido. Ele falava algo e eu dizia: Nooooossa! Tenho essa bolsa (sapato, sandália, ou outro artigo qualquer) fazem anos. Você é que nunca reparou. Mas enfim, tudo que é bom dura pouco e ele acordou para o fato de que estava tentando “enganá-lo”. Hoje em dia digo: Comprei mesmo! Tava em promoção e tava merecendo!… e ele ri.

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  1. Silmara, nada como um item novo na nossa vida, seja o que for…rsrs Adoro bolsas, namoro toda vitrine, mas ando com a minha, preta, da qual gosto muito, há …6 anos, ininterruptos! Não percebi, senão há pouco tempo, que o couro está todo craquelado, uma “quina” raspou o couro e está só no forro…Já comprei duas entre ela, mas cadê que uso? Ela é minha “bate-enxuga”, não tem jeito. Vou mandar arrumá-la e ver se dá uns aninhos a mais…rsrs Vou até homenageá-la em um post (a bolsa ). Não rola foto com a “menina”? Beijo!

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  2. Ah, entao ta explicado: e por isso que ando meio down e cabisbaixa. A minha bolsa atual passou da validade, levantou a bandeira branca e eu nem percebi. Sexta feira, serei outra pessoa.
    Bjos.

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  3. kkkkkkkkkkkkkkkk
    E a calça rosa? Aquela, que estava na cena da pedra, da roupa íntima revelada a olhares nunca vistos e esperados???
    kkkkkkkkkk

    Amo esse consumismo feminino e libertador. Sou assim, mas no meu caso, o êxtase vive nos meus sapatos masculinos. AMO e AMO… rs rs rs.

    Bjs na bolsa de atitudes. Amo!
    Huck

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  4. Ainda bem que temos o mesmo Deus! E viva as bolsas e as sapatilhas e qualquer outra mercadoria que o diabinho nos convence à comprar!

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