Matrioska

Foto: Zeta/Flickr.com, efeitos: Gimp

A bebê dorme em seu carrinho. Enche de amor o coração da mãe que a embala. Enche de amor-perfeito a avó que as contempla. Enche o mundo de graça. E enche d’água meus olhos. Como podem três quilos e cinquenta centímetros ocupar tanto espaço? Na minha tarde de sexta-feira há três mulheres. Saídas uma de dentro da outra. Estou diante de uma matrioska viva. Passaria horas montando-a e desmontando-a. Brincando de nascer e desnascer. Mas quem gosta dessa brincadeira é Deus. A gente só brinca junto; as coordenadas são sempre dele.

No breve tempo de nanar, a bebê se desliga deste orbe, enquanto se liga ao de onde veio, aquele que deixou há pouco tempo. O dos anjos e jardins sem fim, gosto de imaginar desse jeito. Desconecta-se daqui e se reconecta lá. Mata as saudades dos amigos, ainda não sabe que os reencontrará aqui – é surpresa. Joga bola, canta uma canção, afaga um pássaro. E daqui trinta minutos pega um avião de volta, faminta de mãe.

No futuro, as fotografias dos álbuns de família mostrarão o quanto terão sido parecidas essas três mulheres. Pois cada uma tem em si um pouco da outra. O detalhe no sorriso, o jeito de ficar brava, a paixão por alguma arte. E também coisas que as outras se esqueceram de trazer nesta vida, ou não o fizeram de propósito, só para ver se a outra lembrava. Mulheres.

Cada uma delas cumpre um ciclo. E nem sabem por que o cumprem. Só sabem que é assim. Lá se vão, as três mulheres. A primeira ainda não sabe andar. A segunda, sim. A terceira está desaprendendo. Cabe à do meio ajudar as que estão nas pontas do tempo presente. Ela sabe que, breve, o terceiro lugar será seu. E arrepia-se só de pensar: a que cochila no carrinho, um dia, tratará de continuar a história, aumentando a matrioska.

É boa a roda da vida, como não? Vida de meia volta, volta e meia que se dá. Estamos todos cirandando.

7 comentários em “Matrioska

  1. Silmara,

    Belo texto e ótima metáfora da Matrioska. E seguimos o inexorável ciclo da vida. Vida que chega. Vida que se despede. Vida que segue.

    Abraços,
    Brunno.

    Curtir

  2. Oi Silmara, lindo seus escritos como sempre, alimentou minha alma nesta manhã…esta emoção de conceber é tão singular, é uma emoção que todas que somos mães passamos e cada uma tem um jeito de descrever, não é? Obrigada!! Bjo grande!!

    Curtir

  3. Sil,

    Existe alguma magia que liga o assunto da sua crônica a um momento da minha vida … só pode ser coisa de anjo!
    Ontem, eu estava triste lembrando com saudades da minha mãe, e a Nat veio me consolar ..queria me ver feliz … eu a peguei no colo, começamos a conversar e eu a beijei muito, dizendo o quanto eu a amava.
    Senti um pedaço da minha mãe junto de nós, naquele abraço….. certamente ela estava lá….

    Bjs
    Rose

    Curtir

Quer comentar?